Sunday, May 19, 2019

Geisel e o Golpe da Banca


Geisel e o Golpe da Banca - Primeira Parte

 
Beto Almeida, Geraldo Lino, Romulus Maya e outros amigos, leitores e editores, me sugerem apresentar maiores informações sobre o que denomino o primeiro golpe da banca no Brasil, a guerra híbrida na sucessão do Presidente Ernesto Geisel.

Banca é a forma abreviada que designo o sistema financeiro internacional. A guerra híbrida, que envolve trapaças, mentiras, ameaças e força, armada ou econômica, é típica ação da banca.

Atender este pedido me possibilita ampliar a resposta para uma leitura de nossa história e dos eventos fundamentais dos séculos XX e XXI, que se impõem agressivamente contra a humanidade, contra o Brasil e nossa vida individual.

Antecedentes

No British Imperialism 1688-2015, de Peter J. Cain e Antony G. Hopkins (Routledge, NY, 2016, 3ª ed.), lê-se que, em 1939, a "Pax Britanica" foi trocada pela "Pax Americana".

Em 1930, a dívida pública externa brasileira estava dividida em títulos britânicos (65%), estadunidenses (30%) e franceses (5%), conforme o FGV CPDOC. Ao fim de 1954, a dívida externa de 1,3 bilhões de dólares estadunidenses (USD) era inferior a de 1930, mas, praticamente, em moeda dos Estados Unidos da América (EUA).

Em 1941, o então Capitão Severino Sombra de Albuquerque publica As Duas Linhas de Nossa Evolução Política (Zelio Valverde Editor, Rio), quais sejam, nas palavras do autor: "uma Liberal Revolucionária, outra Reação Orgânica Nacional". 

Busquemos compreendê-las.

Acrescenta o futuro General Sombra: "se pudéssemos resumir em duas palavras o sentido de nossa conclusão político histórica, diríamos que substituímos o signo da liberdade pelo da nacionalidade". Referia-se ao antes e depois da Revolução de 1930.

Escrito no Estado Novo de Vargas, de quem Sombra foi ora aliado ora opositor, embora percebendo estas diferenças no comportamento político, não as associou à economia mundial. Esta passava do financismo mercantil inglês (liberal) para o industrialismo estadunidense, um imperialismo que envolvia toda uma nação, distinto do imperialismo financeiro, de uma aristocracia desvinculada de seu povo; o dinheiro sem pátria, como visto por Marx.

Mas Sombra cuidava apenas da expressão política do poder. O Poder é muitas vezes decomposto para análise, além do político, no poder psicossocial, no poder militar e no poder econômico. Há quem desloque dos poderes psicossocial e econômico, como uma expressão própria, o poder científico-tecnológico.

Volto a Cain e Hopkins, em tradução livre.

"As substância e ideologia do Império (britânico) sobreviveram à I Grande Guerra. A elite cavalheiresca permaneceu no comando; atitudes imperiais eram condutoras; políticas coloniais continuaram a ganhar a batalha da missão civilizadora.  A versão britânica do governo liberal unido a um império liberal ainda teve o poder de permanência.

O modelo não foi substituído até 1940. 

Os defensores do estado intervencionista, que o substituiu, se sentiam confiantes de que tinham as ferramentas necessárias para melhorar o império e dar-lhe uma nova vida. 

O rápido aumento da dominância estadunidense significou que parte do antigo império britânico seria ocupado. A invasão dos amigáveis GIs foi seguida pela flotilha de publicidade, plásticos, sedutoras fantasias hollywoodianas, capturando para o american way of life os desmoralizados consumidores britânicos."

Na Conclusão e no Posfácio da citada obra, Cain e Hopkins, fazendo referência à velha corrupção, com a qual a Inglaterra se assenhoreou, em 1815, das resoluções do Tratado de Viena, mostram ser este o caminho para reconquista pela aristocracia financeira de sua "missão civilizadora". 

Portanto, a inclusão dos capitais da droga, de todos os ilícitos, é uma consequência do próprio poder financeiro (vide o ópio e o HSBC, na China) e não apenas uma das decorrências das desregulações dos anos 1980.

Seria pedir muito ao Capitão Sombra, em 1940, antever a série de crises que levaria o sistema financeiro internacional - a banca - a se empoderar, agora com nova estrutura de ação e a ideologia "neoliberal".

Mas Sombra viu a dualidade nacional/liberal, o que ainda hoje causa perplexidade e pasmo para muitos colegas de profissão e mesmo para a academia e políticos brasileiros. 

Neste século XXI temos aguçado o antagonismo Soberania (nacionalismo) versus Globalismo (neoliberalismo).

Esta dualidade será usada para aplicar no General Ernesto Geisel, um presidente que prossegue a obra nacionalista de Getúlio Vargas, o golpe que o impede ter como sucessor um Presidente da sua mesma linha, e chega ao fim outro ciclo de tentativa do empoderamento do Estado Nacional Brasileiro.

Na minha leitura, tivemos como projeto ou como ação, quatro momentos ou oportunidades de deixarmos a gestão colonizada por um Estado Soberano.

A primeira, que é objeto de recente livro de Geraldo Luís Lino (O homem que inventou o Brasil, Capax Dei, RJ, 2019) e dos pertinentes comentários do doutorando Felipe Quintas, no site Duplo Expresso (17/03/2019), coube a José Bonifácio de Andrada e Silva (ver J.B. de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, Companhia das Letras/Editora Schwarcz, SP, 2005)

A segunda, que está aguardando uma obra que articule o positivismo gaúcho, o tenentismo dos anos 1920, e desague e faça água com os acordos políticos da Revolução de 1930, mas chega a nossos dias pelos Manuais da Escola Superior de Guerra (ESG), denominaria da permanência do positivismo na política nacionalista brasileira.

Getúlio Vargas consegue usar a fragilidade dos Impérios, com a II Guerra Mundial, para implementar, ainda antes da deposição de 1945 e em seu mandato eletivo encerrado com o suicídio (1954), o mais completo, até então formalizado, Estado Nacional Brasileiro.

O quarto e último surge no golpe de Costa e Silva em 1967 e vai aproveitar a fragilidade do modelo colonial estadunidense, o industrialismo dependente, para criar novos elementos formadores do Estado Nacional, com Emílio Garrastazu Médici (30/10/1969 a 15/03/1974) e Ernesto Geisel.

Iniciava com a sucessão de Geisel o desmonte, a desconstrução (palavra de Jair Bolsonaro) do Estado Nacional Brasileiro. E se impõe, como também assinalam J. W. Bautista Vidal e Gilberto Felisberto Vasconcellos (Ocaso dos Combustíveis Fósseis e o Novo Colonialismo, in Brasil Civilização Suicida, Editora Nação do Sol, Brasília, 2000):

"a implantação no Brasil do Novo Colonialismo (que) começou em 1979 e fundamenta-se no predomínio absoluto do dinheiro de controle externo e na desvalorização dos recursos naturais locais e do mundo físico".

Para que entendamos o projeto nacional e a oposição, o golpe, que o inviabiliza, é preciso juntar as quatro vertentes que compõe tal projeto: a construção da cidadania, a projeção internacional, o projeto cultural e o domínio tecnológico industrial. E, como é óbvio, a estrutura organizacional do Estado que impeça seu domínio por um único e eventualmente antagônico segmento.

Nas duas ações para o Brasil Soberano, personalizadas por Getúlio Vargas e Médici-Geisel, houve falhas quer nos componentes do projeto quer em suas implementações. 
As forças que o destruíram agiram nestas falhas.

As forças opostas em 1945/1954 eram do industrialismo estadunidense e em 1979 do financismo, embora fortemente inglês, desvinculado de qualquer Estado Nacional, como a autonomia de Bancos Centrais e de instituições financeiras nacionais e internacionais.

Se a II Grande Guerra facilitou o projeto Vargas, a disputa pelo poder no mundo capitalista entre o industrialismo e o financismo, com clímax nos anos 1970, possibilitou as ações de Emílio Médici e de Ernesto Geisel.

Além da expressão política, descrita pelo General Sombra, há a expressão psicossocial, de enorme importância.

A banca procurou desconstruir qualquer discurso que a colocasse como protagonista do golpe de 1979. Para tanto, usou, entre outros, dois jornalistas - André Gustavo Stumpf e Merval Pereira Filho - que, ainda em dezembro de 1978, envolvendo o jornalista Mino Carta, publicaram pela Editora Brasiliense (RJ, 1979), a obra de ficção de título "A Segunda Guerra: Sucessão de Geisel", trazendo para a questão da abertura política a única luta desta sucessão.

E ao buscar confundir a candidatura de Costa e Silva, como Primeira Guerra, tenta colocar na mente de leitor que Figueiredo, Coronel que só foi a General-de-Brigada com as promoções de março de 1969, já estava fadado a ser Presidente deste a escolha de Médici.

Toda mídia, a comunicação de massa nas múltiplas manifestações, só apresentaram a abertura, o retorno dos cassados, a anistia como temas do embate sucessório. E interessava às partes, oposição e governo, esta polaridade ou por já estarem envolvidos com a banca ou pela ingenuidade do que ocorria no mundo, com repercussão no Brasil.

Os anos 1970
Esta década foi de fundamental importância para a derrota do industrialismo na luta com o financismo.

A jugular do industrialismo atingida pela banca foi o petróleo. Extremamente vulnerável pela ampla gama de usos, por estar presente na civilização do consumo de massa e pela indisfarçável poluição ambiental. Em 1973, o barril de petróleo cru sai de US$ 2,00 para US$ 13,00 e, chega em 1979 até US$ 52,00. O mundo inteiro se curva a nova realidade. Uns tentando a volta ao passado, outros investindo no futuro.

O Brasil optara pelo modelo clássico de desenvolvimento industrial com a chegada de Costa e Silva ao poder, em 1967. Este modelo se repetiria no I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), com Médici, Reis Veloso  e Delfim. Prosseguiria no II PND de Geisel. 

A "ilha de prosperidade no oceano revolto" era o desconhecimento das novas forças emergentes.

É-me impossível não lembrar a advertência que Oswaldo Aranha escreve como Prefácio ao "Ásia Maior O Planeta China", da escultora Maria Martins (Edição Civilização Brasileira, RJ, 1958), "a China foi transformada em terra de todos e cada vez menos dos chineses". E, assim, a artista plástica não descreveria uma "revolução", mas faria uma "revelação", "na China, viste, observaste e amaste o Brasil", esclarece Aranha.

Médici, olimpicamente, mantinha o projeto de industrialização brasileira, com as mesmas pessoas que serviriam a Geisel: João Paulo dos Reis Veloso e Marcos Pereira Vianna (presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico).

Devemos a eles o projeto e a execução competente do Programa de Substituição das Importações, base do desenvolvimento industrial brasileiro.

Já mencionei Mino Carta, permitam-me citá-lo: "é do conhecimento até do mundo mineral, que" as indústrias de ponta incentivam o surgimento de outras indústrias e prestadoras de serviço, num saudável desenvolvimento que, a partir da economia, aumenta a demanda de mão de obra e gera empregos bem pagos e amplia o comércio local, nacional.

Muda a sociedade.

Esta era a ideia que norteava os PNDs, mas a qual se opunha a banca. 

Para esta, todos os ganhos deveriam fluir para o sistema financeiro, quer pela poderosa e corruptora arma da dívida, quer pela apropriação de todos meios de produção unicamente pelo capital financeiro. 

Denomino este conjunto de primeiro objetivo da banca; o segundo é promover a permanente concentração de renda, objetivo autofágico e malthusiano.

É importante entender os objetivos da banca e suas estratégias: criar e manter a dívida (veja que nenhum governo depois de Vargas se empenhou na auditoria da dívida), corromper todo sistema jurídico e político (obtido em elevado grau no Brasil, desde a Constituição de 1988), para que possamos entender, em parte, alguns eventos de pouca nitidez.

Enfatizo o domínio dos capitais oriundos de ações ilícitas - produção e distribuição de drogas, contrabando de armas e órgãos humanos - que estão cada vez mais se apossando do controle da banca.

Desde o início dos anos 2000, vínhamos observando transformações no controle e direcionamento dos capitais da banca. Estes saíram de Fundações, escritórios jurídicos e de contabilidade, para empresas captadoras de recursos e gestoras de fundos financeiros. Os gestores passam a ser profissionais e não ficam nas famílias bilionárias; os conselhos também se profissionalizam e assim os capitais ilícitos se empoderam.

Atualmente já nos parece bastante nítido, o que o percuciente analista Romulus Maya, fundador do Duplo Expresso, chamou "narco-evangelistão".

 Recomendo enfaticamente que se leia "Geopolítica da droga, os EUA e os golpes na América Latina" (https://duploexpresso.com/?p=104505) que está nesta atualíssima esfera da banca e de suas ações no Brasil.

Muitas vezes as menções aos Estados - EUA, Israel - e não ao sistema, revelam uma realidade passada; como o perigo comunista, sobrevivendo à  forjada crise de 2008, ou os inquisidores medievais, nesta cópia protestante de 1553, os neopentecostais, ressuscitada por Olavo Carvalho, buscando cientistas, outros Miguel Servet, para queimar.

 A dualidade que temos, como pontos extremos, são a Nação, a cultura e a soberania dos Estados, de um lado, e, de outro, a Globalização, a pasteurização, a homogeneização universal, o neoliberalismo. 

Seguem reflexões e informações sobre o Governo Geisel.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado


Geisel e o Golpe da Banca - Segunda Parte

Governo Geisel

Ernesto Beckmann Geisel (03/08/1907 a 12/09/1996) presidiu o Brasil entre os 15 de março de 1974 e de 1979.

Em breve sumário, procurarei demonstrar sua condução nacionalista, ter efetivamente o Brasil acima de tudo, que caracterizou seu mandato.

 Não estarei com isso defendendo, e tenho convicção que o luterano Geisel também não apoiou, a covardia da tortura e os infamantes assassinatos ocorridos no período de sua gestão. A interferência no II Exército (São Paulo) é um exemplo desta oposição do Presidente.

Há, sobretudo pela esquerda identitária, que tem apoiado no Brasil e no exterior o neoliberalismo, a ótica única de ver em todos governos militares a negação democrática e o viés fascista. 

Pergunto, temos democracia no Brasil?, nas colônias financeiras, ainda que nações com representação na Organização das Nações Unidas (ONU) e substituição periódica de dirigentes? Terão maior participação nos destinos nacionais os habitantes desses países do que aqueles que vivem nas "ditaduras" russa, chinesa ou venezuelana? O que diferencia um cidadão turco de um haitiano?

Dividirei o Governo Geisel nas ações da política exterior e da política cultural, e da política tecnológica industrial. Tratarei das legislações formadoras da cidadania e farei comentários sobre a organização do Estado. Não pretendo ser exaustivo em quaisquer dessas áreas.

Política Externa e Cultural

A política externa mostra um aspecto da soberania. 

Sua independência não é uma agressão a outros Estados Nacionais, mas, ao contrário, um caminho para a multipolaridade, um convívio internacional pacífico.

A política exterior foi conduzida, por todo mandato Geisel, pelo Embaixador Antonio Francisco Azeredo da Silveira. Este promoveu verdadeira mudança no Itamarati. O Brasil saiu do alinhamento automático aos EUA para a análise de seus interesses guiando cada posicionamento nas questões internacionais.

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo de abril de 1974, que derrubou o salazarismo, da Revolução dos Cravos em Portugal. Também foi o primeiro a reconhecer o MPLA Partido do Trabalho como representante do Estado Angolano. O Brasil reatou relações com a República Popular da China e ampliou sua representação na África e na Ásia.

Celebrou o Acordo Nuclear com a Alemanha e denunciou o Tratado Militar, em 1977, com os EUA.
 Buscou a defesa da gestão brasileira da nossa Amazônia, respondendo às agressões de entidades estrangeiras de "defesa da ecologia", firmando com a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, em 1978, o Tratado de Cooperação da Amazônia.

Em sua tese de doutorado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), "A política externa (in)dependente em três tempos: autonomia e crises nos governos Quadros/Goulart, Geisel e Lula/Rousseff", em 2018, Leonardo Pace Alves escreve sobre o período Geisel:

"O Brasil não só se percebia como uma “potência emergente”, mas também parecia ser tratado dessa forma por alguns países. A assinatura de memorandos de entendimento com as  potências  industrializadas (França, Inglaterra,  Alemanha  Ocidental,  Japão  e  EUA)  tinha  o efeito  de  corroborar  essa leitura.  Esses  mecanismos  de  consulta  bilaterais  visavam,  entre outras coisas, à facilitação da gestão das divergências tópicas, as quais o governo Geisel tinha   a consciência  de  que  tenderiam  a  crescer  como  resultado  da  própria  ascensão  do  país.acercamento  a  esses  países  também  objetivava  reduzir  a  dependência  do  Brasil  vis-à-vis  os EUA,  diversificando-a". 

E acrescenta: "ao  proporcionar  a  abertura  de  novos  mercados  por  meio  da  universalização dos  contatos  internacionais,  a  diplomacia  concorria  para  alavancar  o  desenvolvimento  da economia  brasileira,  cuja  transformação  estrutural  se  tornou  a  principal  meta  do  II  PND  a partir  de  1975".

Em 1976, o Brasil participou da Conferência Internacional de Apoio aos Povos do Zimbábue e da Namíbia, realizada em Moçambique, e da Conferência Mundial de Ação contra o Apartheid, realizada na Nigéria.

Em relação aos aspectos culturais, muitas vezes esquecidos na definição do Estado Nacional, inicio com uma referência a Vargas.

Não foi apenas a presença de Heitor Villa Lobos e seu imenso projeto de canto orfeônico nas escolas públicas, nem a presença de Carlos Drummond de Andrade, no Gabinete Gustavo Capanema, ou, ainda, a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), mas o suplemento dominical "Pensamento da América", que circulou em A Manhã, jornal oficial do Estado Novo, de agosto de 1941 a fevereiro de 1948, que mostra a projeção cultural do Estado Brasileiro em seus vizinhos americanos, incluindo os EUA, divulgando um "espírito pan-americano".

Esta ação de Vargas está retratada em "América Aracnídia", de Ana Luiza Berara (Civilização Brasileira, RJ, 2008) e mostra a compreensão e a dimensão, dada pelo nosso primeiro estadista, da amplitude da compreensão da soberania.

Geisel voltou para dentro do País a dimensão cultural, criando em 1975, a Fundação Nacional de Artes – Funarte. O acervo das manifestações folclóricas brasileiras, que é de extraordinário valor, nas mais diversas dimensões, se deve à equipe congregada na Funarte e foi, em sua quase totalidade, construído nos Governos Geisel e Figueiredo.

A Funarte esteve presente em todo território nacional, em pesquisas, em espetáculos, na formação de bandas musicais, desenvolvendo uma, até então inédita, ação do Estado para registro e difusão da cultura brasileira.

A permanente oposição das mídias comerciais a um projeto deste porte evitou a mobilização popular pela manutenção e crescimento das ações da Funarte. 

Não ficarei surpreendido se o Governo Bolsonaro extinguir a Funarte, distribuindo por entidades descentralizadas, e até privadas, seu acervo de importância imensurável para a nacionalidade brasileira.

É pertinente tratar, neste universo cultural, da ação das mídias.

Em 1941, Henry Luce, proprietário do complexo de comunicações que tinha, entre outros, as revistas Time, Life e Fortune, instado por David Rockefeller,  convocou os estadunidenses a “aceitar de todo o coração nosso dever e oportunidade, como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de nossa influência para objetivos que consideremos convenientes e por meios que julguemos apropriados” (Herbert I. Schiller, O Império Norte-americano das Comunicações, Vozes, Petrópolis, 1976).

Este deep state dos EUA sabia que a luta do imperialismo não se restringia a aspectos econômicos, mercantis e financeiros. Como será um slogan posteriormente muito divulgado, qualquer dominação precisa "conquistar corações e mentes".  É parte do que denomino pedagogia colonial.

A censura prévia vinha desde Castello Branco. 

Na verdade, sempre existiu a censura na comunicação de massa, desde quando ela se assumiu como atividade comercial, suplantando ou afogando qualquer viés cultural. Em 1968, informa Nelson Werneck Sodré (Síntese de História da Cultura Brasileira, Bertrand Brasil, RJ, 1999), o Congresso Mundial das Sociedades de Autores e Compositores, em Viena, apelara aos 34 países ali representados que oferecessem adequada proteção contra a "destruidora força do rádio e da televisão".

Por algum tempo houve certa ambiguidade, mais em edições de livros e músicas do que na imprensa, em todas suas formas, onde espaços e tempos são calculados em valores monetários.

Lembro meu primeiro dia de "foca", em 1964, nos Diários Associados, à rua 7 de abril, em São Paulo, quando o chefe de reportagem me ensinou: "seja objetivo, evite adjetivo, responda apenas o "que", "quem", "onde", "quando" e, se for o caso, "porque". O espaço é que paga nosso salário". Esta última afirmação, no caso dos Associados, tinha mais do que uma interpretação (!).

A imprensa, principalmente a escrita, nos anos 1970, administrava uma tensão objetivando sua economia empresarial. Foi o período de crescimento do Sistema Globo, eliminando seus concorrentes. Apenas na área da televisão recordemos a saída da TV Excelsior (1970), TV Rio (1977), TV Tupi (1980) e as sucessivas mudanças de controle da TV Record.   
    
Desenvolvimento Econômico e Tecnológico

Na verdade, bastaria "Desenvolvimento", como subtítulo. Mas de tal forma, nestes tempos da semântica da banca, restringiu-se o conceito de desenvolvimento, algumas vezes, por incrível que pareça, pelo indicador inexpressivo da pontuação das Bolsas de Valores Mobiliários, que julguei melhor acrescentar, consciente de estar também limitando, econômico e tecnológico.

De acordo com os dados estatísticos do IBGE e do Banco Central do Brasil, o crescimento médio anual do Produto Interno Bruto (PIB) nacional foi, para o Governo Geisel, 6,37%. Embora a Carta IEDI - Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial - de 18/04/2019, assinale que "já nos anos 1970, o setor manufatureiro começa a perder participação no PIB", mesmo esta perda não sendo homogênea, nem em intensidade nem nos campos de ação.

As mais importantes iniciativas de Geisel se deram nas áreas das tecnologias de ponta para o século XX, que avançariam no século XXI: informática, nuclear e novas energias, onde se destaca o pró-álcool. A tecnologia aeroespacial deveu-se ao Triunvirato Militar que mediou os períodos Costa e Silva e Médici. Faltou, no entanto, a biotecnologia.

Vou me ater apenas à informática. É um caso exemplar de manutenção do nosso estado colonial. Se nenhuma outra razão existisse para confirmar o golpe, o futuro da informática daria o mais forte motivo.

Em dezembro de 2017, o presidente Donald Trump apresentou a Estratégia Nacional de Segurança para os Estados Unidos da América (EUA), de onde transcrevo em tradução livre:

"A resposta da América aos desafios e oportunidades da era cibernética determinará nossa prosperidade e segurança futuras. Durante a maior parte da nossa história, os Estados Unidos conseguiram proteger a terra natal controlando seus domínios terrestre, aéreo, espacial e marítimo. Hoje, o ciberespaço oferece aos atores estatais e não-estatais a capacidade de fazer campanhas contra os interesses políticos, econômicos e de segurança dos Estados Unidos sem nunca passar fisicamente pelas fronteiras. Os ataques cibernéticos oferecem aos oponentes oportunidades de baixo custo para danificar ou interromper seriamente pontos críticos da infraestrutura, prejudicar nossas empresas, enfraquecer nossas redes federais e atacar os dispositivos que os americanos usam todos os dias para se comunicar e realizar negócios. A vulnerabilidade da infraestrutura dos EUA a ataques cibernéticos, físicos e eletromagnéticos, significa que os adversários podem interromper o comando e controle militares, as operações bancárias e financeiras, a rede elétrica e os meios de comunicação".

A República Popular da China criou, em setembro de 1987, a empresa Huawei, que domina hoje, em 2019, a indústria mundial de equipamentos de informática e de telecomunicação.

"No começo de 1980", nos informa Ivan da Costa Marques, professor na UFRJ e ex-presidente da Computadores Brasileiros - Cobra, "o Brasil foi um dos poucos países em que empresas sob controle local conseguiram suprir uma parte significativa do mercado interno de minicomputadores com marcas e tecnologias próprias. Equipes de engenheiros e técnicos brasileiros haviam absorvido a tecnologia de produtos originalmente licenciados e efetivamente conceberam e projetaram sistemas completos (hardware e software) de minicomputadores e diversos outros artefatos de computação, colocados no mercado por empresas brasileiras com sucesso econômico e técnico" (https://www.academia.edu/10574376/Minicomputadores_brasileiros_nos_anos_1970_uma_reserva_de_mercado_democr%C3%A1tica_em_meio_ao_autoritarismo).

Deste mesmo artigo de Costa Marques, que teve ativa participação em diversos eventos na área da informática, transcrevo pela exatidão e por conhecer a seriedade e correção do autor:

"Na primeira metade da década de 1970, professores, alunos de pós-graduação e pesquisadores projetaram diversos produtos de informática. Nesta mesma época alguns birôs estatais de processamento de dados investiram em laboratórios de produtos. Nos laboratórios de organizações militares, artefatos de informática recebiam atenção especial". "Havia uma grande diversidade de interesses e abordagens, mas praticamente todas as intervenções, fossem elas nos congressos ou nos periódicos, compartilhavam a ideia de que dominar a tecnologia dos computadores era uma questão estratégica para um país como o Brasil".

Em 15 de julho de 1976 é publicada, no Diário Oficial, a Resolução 1, da Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico de Dados (CAPRE), anunciando a política nacional de informática para os minicomputadores. Havia então o perfeito entrosamento entre o secretário-executivo da CAPRE, Ricardo Sauer, gestor da reserva de mercado na informática, e o presidente do BNDE, Marcos Vianna, gestor do programa de substituição de importações.

Posição oposta, favorável às empresas estrangeiras, principalmente à IBM, era defendida por José Dion de Melo Teles, do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e, no governo Figueiredo, presidente do SERPRO.

Ponto de inflexão na nossa história da informática foi a Comissão Cotrim, criada em dezembro de 1978, com elementos do Serviço Nacional de Informações (SNI), então conduzido pelo general Figueiredo, do CNPq e do Ministério das Relações Exteriores, de onde saiu o embaixador Paulo Cotrim, coordenador da Comissão.

No XXVIII Simpósio Nacional de História, realizado em Florianópolis, em julho de 2015, Marcelo Vianna apresenta o trabalho "Segurança Nacional e Autonomia Tecnológica – o avanço do Serviço Nacional de Informações sobre o campo da Informática brasileira (1978-1980)", onde se lê:

" O  processo  de  intervenção  realizado  pelo  Serviço  Nacional  de  Informações (SNI) no campo  da  Informática  brasileira  entre  os  anos  de  1978  e  1980  teve  como  principal  efeito afastar  os  condutores  da  Política  Nacional  de Informática  (PNI) através  da  criação  de  um novo  órgão  gestor,  a  Secretaria  Especial  de  Informática  (SEI)", pelo Decreto n.º 84.067, de 08.10.1979.
Tullo Vigevani (O Contencioso Brasil X Estados Unidos da Informática, Editora Alfa Omega-EDUSP, SP, 1995) esclarece:

"A análise ex post facto permite iniciar um esboço de interpretação das razões do lento e progressivo debilitamento do bloco da Política Nacional de Informática. A intervenção dos militares dos órgãos de segurança deu-se com a implícita retirada dos órgãos econômicos e de planejamento".

Do artigo citado de Costa Marques: "Sem constrangimento, os coronéis do SNI interrogaram de forma intimidante um grande número de profissionais de informática e grampearam seus telefones. E, logo, instalou-se entre estes um tal clima de medo que aos mais irônicos inspirou até brincadeiras de autêntico humor negro".

Voltando a Vigevani, ele se refere ao pessoal burocrático, substituindo técnicos, favoráveis à "internacionalização da economia".

Já no governo Figueiredo, o Ministro das Comunicações, coronel Haroldo Corrêa de Mattos, que se colocara a favor das pretensões brasileiras no contencioso com os EUA, "controlar o capital é condição necessária, mas não é suficiente" (Estado de S. Paulo, 11/02/1979) passa a criticar a lei para informática, abrigando os grupos brasileiros que se articulavam com interesses econômicos e políticos estadunidenses (entrevista ao Jornal do Brasil, 01/09/1984).

A linha geral adotada pelo presidente Figueiredo foi a da crítica ao protecionismo, à reserva de mercado, à substituição das importações.

Fica evidente a radical mudança na gestão brasileira da informática, do Governo Geisel para o Figueiredo, a tecnologia que provocou a mais profunda alteração que a sociedade conheceu nos últimos cinquenta anos e diferencia nações soberanas de nações colônias. Em muito demonstra a situação dependente que se encontra o Brasil.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 


Geisel e o Golpe da Banca - Terceira Parte

Cidadania no Governo Geisel

Não foi somente a busca pela soberania científica e tecnológica que provocou o golpe na sucessão presidencial em 1979.

Sem dúvida era um item de grande importância, mas temos que lembrar que já não estávamos diante do Império Estadunidense.

 Enfrentávamos, nós brasileiros, o sistema financeiro internacional, a banca, e sua ideologia neoliberal.

Fernando Corrêa de Sá e Benevides (A Crise Brasileira e seu Processo Histórico, CEBRES, RJ, 1998) escreve:

"Se tivéssemos de determinar a causa, que existe, de nosso deplorável estado atual sem resvalar para o monismo inconsequente e insuficiente, diríamos que ele é produto da dependência externa, interrompida por inserções de uns poucos governos com visão estratégica".

A construção de um Estado Nacional repousa em dois pilares: soberania e cidadania.

Apresentamos, na segunda parte desta série, um dos aspectos da soberania - o domínio da informática - iniciativa do Presidente Geisel que, junto a do acordo nuclear com a Alemanha, resultaram na decisão da banca de encerrar ali o protagonismo militar, independente ou autônomo, na condução do Brasil.

A cidadania é ainda mais complexa num país de tradição escravagista.

 Transcrevo palavras do Almirante-de-Esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca (06/11/1919 a 03/04/1998), Ministro da Marinha (1979-1984) e Diretor e do Conselho de Administração da Petrobrás, em entrevista a Hélio Contreiras (Militares Confissões, Mauad, RJ, 1998):

"No Brasil, as elites não ajudam a busca de soluções adequadas para os grandes problemas nacionais. As elites foram responsáveis por crises do passado, inclusive por 1964, e continuaram após o regime militar a colocar os interesses do País abaixo dos seus, como, infelizmente, costuma ocorrer".

Na política interior, Geisel anexou o Estado da Guanabara ao Estado do Rio de Janeiro e dividiu o Estado de Mato Grosso, criando o Estado de Mato Grosso do Sul.

Após 45 dias de sua posse na Presidência da República, Ernesto Geisel cria o Ministério da Previdência e Assistência Social, desmembrado do Ministério do Trabalho.

Para os administradores é imediatamente reconhecida a prioridade de uma área, quando passa a ter gestão específica. Infelizmente, a criação e extinção de órgãos públicos e mesmo privados seguem razões nem sempre técnicas de organização. Mas não foi o caso da decisão do Presidente Geisel. Tanto que levou dois meses para escolha do Ministro Luís Gonzaga do Nascimento e Silva.

A questão social, parte da construção da cidadania, foi tratada por Geisel de modo que não consta em livros sobre a "ditadura militar", mesmo dos seus defensores.

De acordo com os cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), divulgados em fevereiro de 2011, com dados corrigidos pela inflação, assim se comparam os mandatos de Geisel e de Lula, para o salário mínimo, a cada dois anos; valores em reais (R$) de 2011:
 

Anos      MÉDICI/GEISEL                     Anos         LULA/DILMA
1972            694,95                               2003            308,57
1974            627,23                               2005            351,17
1976            593,83                               2007            443,41
1978            633,83                               2009            467,92
1980            686,08                               2011            540,00
 
As relações entre as medidas sociais e as reações empresariais, representando parte da elite brasileira, ficam quase sempre fora dos compêndios e das análises das mídias.

Tomemos um exemplo. Em 22 de dezembro de 1977, Geisel promulgou a Lei 6.514, que alterou o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à segurança e medicina do trabalho. Com estas mudanças objetivava dar melhores condições de proteção aos operários e empregados em geral e organizava a fiscalização do Ministério do Trabalho para maior eficácia, além de atribuir penas aos infratores. Em 08/06/1978, pela Portaria 3.214, são regulamentadas as novas Normas de Segurança e Medicina do Trabalho.

Sete meses após a Lei e menos de um mês da Regulamentação, Geisel é surpreendido com a publicação, pela “Gazeta Mercantil”, de críticas à política econômica e social dos militares pela Associação Brasileira da Indústria de Base (ABDIB) no “Manifesto dos Oito”.

Eram oito empresários: Antônio Ermírio de Moraes (Votorantim), Cláudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin (Metal Leve), Laerte Setubal Filho (Itausa), Paulo Vellinho (Springer-Admiral), Paulo Villares e Severo Gomes, que assinavam o Manifesto, dando à sociedade a impressão de que Geisel não agia em favor da empresa nacional e da geração de emprego.

O Ministro da Fazenda era Mário Henrique Simonsen (1935-1997). Foi professor,  banqueiro e teve seu nome associado à Consultec (empresa de Roberto Campos e Octávio Bulhões), ao escândalo das polonetas (US$ 6 bilhões, em 1980) e a Eugênio Gudin, como defensor do liberalismo econômico. Recordemos que apenas Severo Fagundes Gomes, entre os ministros civis, não participou até o final do Governo Geisel.

Devem-se a Simonsen a queda do  valor real do salário mínimo, como se vê na série anterior, a política de austeridade, que ajudou o manifesto da ABDIB, e restrição ao aumento salarial dos militares, que, parcialmente, os colocaria na linha da oposição a Geisel.

Mas Geisel mantinha o controle da caixa, como demonstrou ao atender o Ministro Alysson Paulinelli, contrariando Simonsen, nos orçamentos da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), criada no Governo Médici.

Houve ambiguidades nos Governos Médici e Geisel em relação às questões trabalhistas e previdenciárias. Se foi criado o FUNRURAL (25/05/1971), sem qualquer ônus para o trabalhador, também foi aberta a porta da terceirização, Lei 6019, de 03/01/1974, com Médici. E, com Geisel, houve o Sistema Nacional de Emprego (Lei 76402, de 08/10/1975) e o Programa de Alimentação do Trabalhador (Lei 6321/1976), de um lado, e o  Decreto-lei n. 1.632, de 04/08/1978, proibindo a greve em serviços essenciais e ampliando o número de atividades básicas essenciais.

Não há dúvida que a intervenção do Estado se dava em toda atividade nacional. 

No entanto, a queixa do Instituto Liberal, no texto de Rubem Novaes, atualmente na equipe de Bolsonaro e envolvido no escândalo do Banco Marka (1999), apenas se restringia à liberdade para especular com a economia brasileira; "era formidável o aparato de instrumentos não fiscais acionados para a intervenção governamental" (https://www.institutoliberal.org.br/blog/o-governo-geisel-na-economia/).

Registre-se finalmente que o divórcio foi promulgado por Geisel, em 26/12/1977.

Reflexões como Conclusão

O que mais chamou minha atenção, ao fazer uma revisão em livros, artigos e anotações sobre o período 1964 a 1985, foi a insistência em discutir a repressão, a tortura, a oposição entre linha dura e "liberais".

Veja um caso que raia o ridículo. 

O livro do brasilianista Thomas Skidmore - Brasil de Castelo a Tancredo, Paz e Terra, RJ/SP, 1988 - dedica todo capítulo V ao período Médici, caracterizado amplamente pelo "Milagre Econômico" (qualquer que seja a avaliação que se faça da economia naqueles anos). Somam-se 102 páginas neste capítulo, onde a economia (incluindo gastos sociais) ocupa 21 e o arbítrio e divergências entre as linha dura e pró-abertura 63 páginas.

Nos três alentados volumes - Os Militares no Poder - do colunista do Jornal do Brasil, Carlos Castello Branco, as questões sobre a política nacionalista são uma enorme lacuna (Editora Nova Fronteira, RJ, 1976, 1977 e 1979). Idem para a "Coleção Ditadura", de Elio Gaspari.

O golpe de 1964, como já é amplamente conhecido, foi tramado nos EUA, mas teve o apoio entusiástico e também financeiro do que se convencionou chamar elite brasileira.

 São pessoas que, de algum modo, participam do poder ou de sua formação, desde o Império. 

Nem sempre as mesmas famílias conseguem manter seus proselitismos, mas há emigrantes que as substituem. A mala que "convenceu" o General Amaury Kruel (1901-1996) a aderir ao golpe foi preenchida por empresários em São Paulo.

Também nos depoimentos a Hélio Contreiras, na obra citada, coronéis e oficiais generais relatam as contribuições da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) para criação da Operação Bandeirantes (OBAN) e para o funcionamento do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) paulista.

Quando os Governos Militares resolveram agir em favor do Brasil, tem início a campanha contra a ditadura. 
Esta oposição se amplia nos Governos Médici e Geisel, que mais profundamente alteraram a compreensão do interesse nacional, a economia e as relações trabalhistas, previdenciárias e da assistência social. 

O Manifesto dos Oito e o artigo de Rubem Novaes (aqui citados) são bons exemplos.

 Onde estão hoje os oito? 

Se não se esconderam no anonimato dos Fundos Financeiros Internacionais!

A personalidade de Ernesto Geisel não ajuda decifrar até onde identificou o envolvimento de sua equipe com a banca.

 Alguns casos eram evidentes, como do general Golberi do Couto e Silva.

 Além de sua conhecida atuação na estadunidense Dow Chemical, mantinha estreitas relações com o banqueiro Edmundo Safdié e o Banco Cidade, bem como seu amigo Heitor Aquino Ferreira.

Havia Mario Simonsen e Ângelo Calmon de Sá, entre os ministros, e vários outros colaboradores em escalões elevados. No meio militar os denominados "castelistas".

Mas a banca fazia sua parte corrompendo o governo.

 É preciso ter consciência que o suborno, a troca de quaisquer ações por dinheiro, é uma forma menos usada do que os incentivos à vaidade e a privilégios.

 Principalmente quando as pessoas envolvidas já dispõe de condições para uma vida confortável.

 Lembremos que o PIB brasileiro, em dólares constantes, conforme o Banco Mundial, era USD 695,4 bilhões, em 1974, USD 926,1 bilhões em 1979 e, a partir de 1985, esteve sempre acima de 1 trilhão de dólares estadunidenses. 

Hoje já supera USD 2 trilhões. A economia condiciona os valores da corrupção.

Não é, portanto, de se estranhar que os montantes atuais sejam de muito maior grandeza do que os da Era Geisel. Quando a Petrobrás importava mais de 80% do consumo nacional de petróleo, a área comercial tinha os maiores orçamentos e, em consequência, onde a corrupção poderia valer seus riscos.

 Atualmente, a Diretoria da Petrobrás parece querer voltar àquela situação, talvez pela facilidade de trabalhar diretamente com recursos no exterior.

Algumas características e valores de Geisel ajudam a entender porque não reagiu ao golpe da banca. 

Era muito forte nele, e na maioria dos militares, o espírito de corpo, a unidade corporativa. Geisel percebia também que a exaustão do poder estava levando militares para a oposição política.

 Esta situação está percebida e descrita na tese de doutoramento da francesa Maud Chirio, para a Universidade Paris I, em 2009. Com título A Política nos Quartéis, este trabalho foi traduzido por André Telles e publicado pela Zahar, Rio de Janeiro, em 2012.

Outra questão está brilhantemente sintetizada na frase do Almirante Maximiano da Fonseca, anteriormente transcrita.

 Se o Brasil tem elites tão tacanhas, perversas e antinacionais, o que podemos constatar em qualquer momento de nossa história, por que colocar a Nação em conflito?

 Talvez nesta reflexão o inteligente General tenha sentido o descuido da formação da cidadania pelos governos militares. 

Hoje vemos o desmonte das conquistas principalmente de Médici e Geisel por um presidente neopentecostal, neomalthusiano, que acredita nas sandices de um Olavo Carvalho, como a que transcrevo de sua contestação, em 26 de abril de 2015, a artigo merecedor desta réplica:

"Para que um estudo científico da questão astrológica (não da "astrologia" socialmente existente como prática profissional) fosse possível, seria preciso primeiro operar, pelo método fenomenológico, a redução da personalidade real aos seus elementos imutáveis (o que colocava problemas de expressão verbal quase insolúveis), para depois conceber um método comparativo que permitisse averiguar se existia ou não alguma correspondência estrutural com os horóscopos, interpretados não segundo técnicas astrológicas usuais, mas segundo uma reformulação fenomenológica igualmente difícil e problemática" (sic).

Neste golpe perdeu o Brasil. E talvez leve ainda muitos anos para se recompor.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado é um permanente nacionalista. pedroaugustopinho@hotmail.com