O Fio Sagrado da História na homenagem de Lula a Getúlio Vargas, em São Borja
Beto Almeida*
“Abram alas que o Gegê vai passar,
Olha a evolução da História
Abram alas, prá Gegê desfilar
Na memória popular”
Música “ Dr Getúlio” de Chico Buarque e Edu Lobo
Não podia ser mais certeira a pontaria do samba Dr Getúlio, autoria de Chico Buarque e Edu Lobo.
Foi repleta de significados a sincera homenagem que Lula fez ao ex-presidente Getúlio Vargas, diante de seu Mausoléu, obra projetada pelo genial arquiteto comunista Oscar Niemeyer, na Praça Central da cidade de São Borja, fronteira com a Argentina, durante a passagem da Caravana Sul.
O noticiário tradicional foi escasso na informação, seja em razão da histórica antipatia dos barões da mídia por Getúlio, agora renovada em hostilidade ao ex-presidente Lula, sobretudo a partir cada vez mais notória identificação de projetos entre o getulismo e o lulismo.
Lula visita São Borja, terra de Getúli
Talvez esta identidade, vista com horror pela mídia golpista, razão pela qual nem a registra, tenha escapado mesmo ao PT, que, desde o seu nascimento apresentou uma injustificável hostilidade ao presidente gaúcho que foi o Fundador do Estado Social Brasileiro, como reconhece, conscientemente, o ex-presidente nordestino.
Em torno do Mausoléu Getúlio Vargas ocorria uma síntese da história brasileira, com várias mensagens, que bem pode servir ao bom debate não apenas no PT, mas em todas as forças progressistas, do qual se podem extrair lições e caminhos para o momento dramaticamente difícil que a Nação Brasileira atravessa neste instante.
Não é nova a revisão histórica que Lula faz sobre a Era Vargas, aquela que o privateiro Fernando Henrique Cardoso declarou que iria demolir. O serviço antinacional, não concluído pelo sociológico conservador da USP - único brasileiro a assinar o Consenso de Washington - está sendo terminado, agora, desgraçadamente, pelo ilegítimo Michel Temer, que tem mesmo toda pinta e conteúdo da República Velha, aquela que tratava a questão social como “caso de polícia”.
O golpe armado da oligarquia paulista em 1932, indevidamente apelidado de Revolução Constitucionalista, foi derrotado legalmente pelas armas pelo presidente Getúlio Vargas, quando dava início às reformas democráticas e transformadoras da Revolução de 1930, criando o voto secreto, o voto feminino, anulando a concessão para exploração de petróleo por transnacionais, realizando a Auditoria da Dívida Externa e fundando o Ministério do Trabalho, o chamado Ministério da Revolução, que logo edificou um grande elenco de direitos aos trabalhadores.
Aliás, anos atrás, Lula já havia declarado que a rebeldia das oligarquias paulistas não era revolução, mas sim uma contra-revolução.
Sintonia com Getúlio já existia, registrando-se que durante aquele confronto armado, que durara cerca de 3 meses, o presidente gaúcho já andava com um revólver na cintura e tinha redigido um Manifesto a Nação no qual afirmara que “só morto deixaria o Palácio do Catete”.
Ainda no primeiro governo, quando enfrentava a tentativa de golpe apelidada de Mensalão, Lula cria, por decreto presidencial, a Semana Getúlio Vargas, em cuja exposição de motivos afirma que aquele teria sido o maior presidente do país.
Palavras de Lula. Enfrentando o golpismo Mensalão, Lula declarou “não vou me suicidar, não vou renunciar, nem vou fugir do Brasil. Vou para São Bernardo defender nas ruas o mandato que o povo me deu pelo voto!”. As dramáticas sintonias políticas vão desfilando pela nossa história.
Mas, toda esta nobre e sincera revisão de Lula sobre Vargas não tem sido motivo, até o momento, para uma séria reflexão no interior do Partido dos Trabalhadores, que durante muito tempo hostilizou a CLT, indevidamente, como se fora uma “Lei Fascista”, tal como foi propalado pela narrativa oligárquica.
Na verdade, trata-se de documento elaborado pelo advogado Joaquim Pimenta, Positivista socialista revolucionário cearense, e enriquecido pela própria lavra de Getúlio, herdeiro do chamado proto-trabalhismo gaúcho, que chegou mesmo a anteceder o trabalhismo inglês, conforme pesquisa realizada pelo ex-governador Leonel Brizola, registrado no livro A Era Vargas, do jornalista José Augusto Ribeiro. O próprio Lula chegara a declarar que a CLT era “o AI-5 da classe trabalhadora”. Este tempo passou. O próprio José Augusto Ribeiro testemunhou quando Lula visitou o ex-deputado Neiva Moreira, getulista histórico, internado em um hospital paulista, e agradeceu por lhe ter ajudado a entender a função histórica de Vargas.
Durante o mais recente Congresso Nacional do PT, o dirigente Marco Aurélio Garcia, já falecido, em discurso estruturante, afirmara que a agremiação é fruto, também, “do nacional-desenvolvimentismo e do trabalhismo de Vargas e Jango”. Este debate deve continuar, ser sistematizado, organizado, agora com o forte estímulo dado pela emocionada homenagem de Lula a Vargas.
Os atos de hostilidades de ruralistas de São Borja à Caravana de Lula são lamentavelmente didáticos para explicar e dar ainda mais relevância à homenagem de Lula a Getúlio, Jango e Brizola. Usando tratores e máquinas compradas com financiamentos à produção bastante estimulados durante os governos de Lula e Dilma, buscaram impedir a homenagem de dois ex-presidentes ao Museu Getúlio Vargas, onde está um exemplar do Diário Oficial com a sanção presidencial à CLT, de 1943, ainda no Estado Novo, num conturbado mundo em guerra. Lula pretendia, diante da peça histórica, selar compromisso de luta pela revogação da nefasta reforma trabalhista que leva o Brasil de volta à República Velha.
Um desorientado sobrinho-neto de Getúlio, Viriato Vargas, presidente do Museu - que está instalado na própria casa onde o presidente gaúcho viveu com a família - imaginando defender a memória do tio-avô, cercou-se de ruralistas agressivos e desrespeitosos, inimigos do trabalhismo e de Vargas e, também, de seus continuadores trabalhistas históricos.
O sobrinho-neto foi protagonista de um vergonhoso comportamento antidemocrático, impedindo uma homenagem e proibindo, na prática, que um museu público, sustentado por recursos públicos, pudesse ser visitado por dois ex-mandatários da Nação. Sua postura lamentável, presidente de uma instituição pública, afronta, também, a grandeza do comportamento conciliador do ex-presidente Vargas: este, por duas vezes concedeu anistia a outro gaúcho, Luiz Carlos Prestes, a quem protegeu de fuzilamento, pretendido pela direita militar, ainda que tentasse derrubá-lo pelas armas, em 1935, numa ação de conseqüências imprevisíveis e, ao mesmo tempo, desastrosas.
O comportamento de Viriato amesquinha-se diante da figura histórica de Getúlio e seu mau exemplo o seguirá como uma sombra. Ele nem de longe compreende a grandeza do gesto do próprio arquiteto Oscar Niemeyer, prescrita, ao fazer a obra do Mausoléu, na forma de uma foice e martelo, onde repousam os restos mortais do ex-presidente, mas encontra-se viva e atual a sua Carta Testamento, com a qual Lula e Dilma dialogam, criativamente, assumindo o compromisso de defendê-la, com se viu no emocionado canto do Hino Nacional, puxado pela voz rouca e coração ardente do nordestino.
Era um Reencontro Histórico. Todos ali naquela praça ensolarada, diante do povo esperançoso. Presente o estadista Vargas que foi apoiado até por Trotsky, um dos líderes da Revolução Russa. Presente o Lula com seu lenço vermelho maragato a la Brizola, que também marcava a homenagem ao ex-governador de dois Estados.
Presente estava Jango, aquele que não deixaram voltar vivo do exílio, nem executar suas Reformas de Base, continuadoras da obra gigante iniciada por Getúlio.
Nos discursos sinceros de Dilma, de Olívio e de Miguel Rosseto, nota-se esse tom de Reencontro Histórico das forças transformadoras do Brasil, sinalizando uma unidade indispensável para os desafios atuais de perseguição implacável e ilegal a Lula, tal como também ocorreu contra Getúlio.
Percebendo este ódio, já em sua deposição em outubro de 1945, Vargas reage e se elege senador, em dezembro, com consagradora votação, o que lhe servira de escudo protetor, até voltar ao Catete, nos braços do povo, para dar continuidade à industrialização do país e à consolidação dos direitos sociais, iniciada no primeiro período.
Este repórter estava presente no Museu Getúlio Vargas, cercado por uma barricada de ódio, e foi possível ouvir as ameaças raivosas e preconceituosas.
Uma senhora, ornamentada com joias, gritava em tom desequilibrado “eu nasci num quartel, vivi sempre em quartel, e se precisar meu pai será interventor na cidade para impedir o comunismo”.
Diante de um rapaz simples, com camisa vermelha, que ainda arriscou dialogar, perguntando “Por que este ódio? Só por que Lula permitiu que um desdentado e pobre como eu entrasse na universidade?” ,
Pergunta imediatamente respondida por outra dama da sociedade, bem vestida, com rispidez :
“Estudou, mas com o MEU dinheiro!, que eu pago de imposto“, como se pobres não pagassem impostos, aliás, proporcionalmente muito mais do que os ricos, ao comprarem uma caixinha de fósforo ou um pãozinho, sem chance para a sonegação, tão reluzente no caso dos mais ricos, como o gauchão Jorge Gerdau, um dos maiores devedores da Receita.
Esse ódio também se destinava a Getúlio, criador do salário mínimo, dos direitos trabalhistas, da Petrobrás e da Eletrobras, que estes manifestantes querem demolir totalmente.
Só se lembraram de ir ao Museu para impedir a homenagem de Lula a Getúlio, num ato fascista de proibição de visita a uma instituição destinada ao público.
Era clara a mensagem das hostilidades dos ruralistas: boicotar o reencontro histórico entre Lula e Vargas!
É importante que esta mensagem seja refletida no interior do PT e das forças progressistas, por meio de um debate que tenha o tom da grandeza de Vargas, Jango e Brizola, e da nobreza de Lula nesta homenagem que representa o próprio Fio da História do Brasil, buscando superar os desafios que se renovam, para que o Brasil possa reencontrar sua caminhada de emancipação histórica., interrompida pelo golpe de 2016.
Dada a dramaticidade do momento político nacional, é muito significativo que Lula recorde constantemente do exemplo de Tiradentes. Sendo hora de franqueza e de sinceridade históricas, Lula sabe que nenhum dos presidentes nacionalistas teve morte natural.
Nem Vargas, nem Jango, nem JK, às vésperas de um sigiloso encontro com Ernesto Geisel, nem Tancredo Neves, aquele que, Ministro da Justiça de Getúlio, propusera ao gaúcho resistir com armas nas mãos, convocando o povo e a Vila Militar, num momento em que o Palácio do Catete já era sobrevoado por aviões da aeronáutica.
Tancredo nunca foi perdoado.
E os mesmos aviões, anos mais tarde, ameaçaram bombardear o Palácio Piratini, quando a sagrada rebeldia de Leonel Brizola, comandou a Rede da Legalidade, com um microfone e uma metralhadora nas mãos, e garantiu a posse de Jango.
A história vai juntando suas peças essenciais e vai traçando sua teia.
Tal como Fidel Castro resgatou dialeticamente José Marti e Hugo Chávez recuperou historicamente a Simon Bolívar, o gesto de Lula vai recuperando o Fio da História, com Vargas, Jango e Brizola, cabendo às novas gerações a imprescindível construção da mais que sagrada unidade popular.
Seja qual for a forma em que ela se materialize.
Pra finalizar, convido-os a ouvir o samba “Dr Getúlio”. Chico Buarque, em entrevista a este repórter, declarou bem humorado,
*Beto Almeida, jornalista
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