Saturday, April 8, 2017

USA e SÍRIA - 7 de Abril de 2017


Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
                 
 
7 de Abril de 2017. Será que um dia vamos recordar este dia em que acordámos com a notícia de que os Estados Unidos tinham bombardeado uma base aérea na Síria e fomos desinquietados à hora de almoço com os alertas de mais atentado terrorista numa capital europeia, desta vez Estocolmo? Não sabemos, nas redações ainda estamos colados ao fio das notícias. Mas diria que, à primeira vista, se algo vier a fazer com que nos recordemos deste 7 de Abril, esse algo será o ataque ordenado pelo Presidente Donald Trump. Por isso, apesar de ser ainda muito cedo, recolhi para este Macroscópio algumas primeiras análises destes acontecimentos que podem marcar o mandato do novo – e ainda muito imprevisível – ocupante da Casa Branca.
 
Começo por uma primeira análise da especialista em assuntos internacionais que escreve para o Observador, Diana Soller, que em A linha vermelha que foi pisada duas vezes, destaca quatro primeiras conclusões: 1. “Esta intervenção norte-americana deve ser vista como um ataque punitiva”; 2. “Apesar das declarações do presidente norte-americano no início da semana de que não queria envolver Washington nos acontecimentos da Síria, torna-se claro, pelas declarações que foram surgindo de dirigentes americanos de topo e pelas notícias que vão chegando, que o bombardeamento foi cuidadosamente planeado”; 3. “A Rússia reagiu lentamente, mas em crescendo”; e 4. “Assad enganou-se nos seus cálculos e agora está dependente do desenvolvimento dos acontecimentos, bem como da forma como os Estados Unidos e a Rússia se irão entender daqui para a frente”.
 
No Observador destaque também para o Explicador que o João Almeida Dias está a preparar, Porque é que os EUA atacaram a Síria? (mas este link só estará disponível no nosso site hoje mais à noite). Eis os pontos que aborda:
  1. Porque é que os EUA atacaram a Síria?
  2. Quem tem responsabilidade no ataque químico de terça-feira?
  3. Como é que a comunidade internacional reagiu ao ataque dos EUA?
  4. Porque é que a reação da Rússia importa?
  5. É verdade que Donald Trump mudou de posição em relação à Síria de Assad?
  6. Os EUA declararam guerra à Síria?
  7. Quais foram os estragos do bombardeamento dos EUA?
  8. Esta foi a primeira vez que houve ataques com armas químicas contra civis na Síria?
 
Da imprensa anglo-saxónica, eis algumas análises e opiniões que julgo merecerem destaque:
  • Striking at Assad Carries Opportunities, and Risks, for Trump, de David E. Sanger no New York Times, notou que “During last year’s campaign, Mr. Trump argued strenuously that Mr. Obama’s decision at the time was a symbol of American weakness that should never be repeated. In that respect, the attack on Thursday night was almost preordained”. A seguir destacou alguns dos riscos desta decisão: “The first risk is that his gambit with Mr. Putin fails. The Russian leader may have strongly preferred Mr. Trump to his rival, Hillary Clinton, in the election. But Mr. Putin is not likely to enter into an agreement that threatens his influence over Syria, and thus his main foothold in the Middle East. Syria is home to Russia’s main military base outside its own borders. A second risk is that Mr. Trump, in taking a shot at Mr. Assad, undercuts his own main goal in the region: defeating the Islamic State.”

  • History has served up a rare second chance on Assad, um texto de Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations dos Estados Unidos no Financial Times e que, mesmo tendo sido escrito antes do ataque da madrugada de ontem, tem algumas considerações bem interessantes. Por exemplo quando argumenta que o ataque com armas químicas levado a cabo pelo regime sírio não pode ficar sem resposta: “Why Mr Assad chose to order such a strike now, at a time when his domestic position looked unassailable and just days after the Trump administration signalled it had accepted the reality of his rule, is something of a mystery. It may be that he is not as confident of his position as outsiders judged, or possibly that he wanted to discourage anyone opposing his taking control of territory liberated from Isis. It is important that he not be allowed to escape without paying a price. The norm against the use of chemical or any weapon of mass destruction was weakened by global inaction four years ago. It is essential that it be strengthened now, not just for the future of Syria, but also because policies will be influenced in both Tehran and Pyongyang by what is decided and done here.”
               
  • Syria Policy After the Chemical Attacks, de Sam Heller na Foreign Affairs, um texto cuja ideia central é que “Stopping the Gas, Not Toppling Assad, Should Be the Goal”. Algo que é defendido em nome de uma política que filiaríamos na escola “realista”: “It is a myth that more concerted pressure on the regime will convince it to negotiate a settlement that amounts to its own demise. The Syrian government can be limited geographically—its perimeter can expand or contract—but within those bounds, there is no realistic way to reform it or merge it with appealing elements of the opposition. What the United States could do is run over both Iran and Russia and, through unilateral military action, gravely weaken or destroy the Assad regime. But if it did, al Qaeda–type jihadists and the Islamic State (also known as ISIS) would be the insurgent forces best positioned to capitalize on the regime's demise. Tearing down the Assad regime now would throw the most populous parts of Syria into chaos, a vortex of militia violence that would empower jihadists and drive millions of refugees into Syria’s already weakened and destabilized neighbors.”

  • What the Syria Strikes Mean, de Walter Russel Mead, entre outros, na The American Interest, onde os autores fazem uma referência ao facto de, ao confronter Putin, Trump ter tirado argumentos a muitos dos seus adversários – “It will be interesting to see how the “Manchurian candidate” narrative about the President fares going forward”. Quanto ao essencial, defendem que “the strike was being read for what it is: a demonstration that this Administration is less reluctant to use force than the one that preceded it. And though Russia was the big power most directly challenged by the strike, Putin was perhaps not even the primary intended recipient of the message. The strikes occurred just as President Trump was having dinner with Xi Jinping of China, and, according to AFP, Trump delivered the news to Xi personally. The subtext was unmistakeable: Get serious about North Korea; our recent threats were not idle. Don Corleone himself couldn’t have set a better table.”

  • Donald Trump strikes at Syria’s Bashar al-Assad, But what happens next?, uma análise da The Economist onde se sublinha que ainda falta clareza à política externa do Estados Unidos, nomeadamente o que pretende fazer na Síria: “The question now is what happens next. Rex Tillerson, Mr Trump’s hitherto almost invisible secretary of state, is due to meet Russia’s president, Vladimir Putin, in Moscow next week. Mr Tillerson has accused Russia of either being “complicit” in the attack or “incompetent” in its inability to restrain its ally. Only a few days ago, Mr Trump’s officials were signalling that it was no longer an aim of the administration to remove Mr Assad from power as a prerequisite for a deal to end the war in Syria, which has claimed perhaps half a million lives. Has Mr Trump changed his mind? Or, having slapped Mr Assad on the wrist and warned the Russians that he cannot act with impunity, will America continue to stand back from the peace negotiations? Confusingly, Mr Tillerson said, after the attack, that policy toward Syria has not changed.”
  • Trump enforces the ‘red line’ on chemical weapons, de David Ignatius no Washington Post, onde este faz um paralelo com a atitude dos Estados Unidos antes da entrada na I Guerra Mundial: “American interventionism is our best and worst national trait. Historically, until 1941, the United States was a reluctant warrior, fearful of foreign entanglement. Thursday marked the 100th anniversary of America’s entry into World War I, a conflict that still drips with senseless, dutiful killing. The young men of Europe had been slaughtering each other since 1914, but on the other side of the Atlantic it was “America First” until Congress backed Woodrow Wilson and declared war on April 6, 1917.”
 
                    

Este último texto permite-nos fazer a ponte para essa curiosa coincidência – há exactamente 100 anos os Estados Unidos entravam na I Guerra Mundial, acabando com uma tradição de não envolvimento em assuntos europeus, agora dá-se uma aparente reviravolta no parecia ser uma política mais isolacionista de Donald Trump – e recordar precisamente essa efeméride. Fizemo-lo, esta semana, em mais um Conversas à Quinta do Observador, o meu debate semanal com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto: Há 100 anos, o dia em que os Estados Unidos vieram salvar a Europa (podcast aqui). O curioso, ou talvez não, é que numa conversa onde se discutiram as diferentes tradições na política esterna norte-americana, Jaime Gama previu a certa altura a necessidade de “operação militar robusta” da Administração Trump. Como ele notou, “a administração Trump está a chegar a um ponto em que, para marcar bem a ruptura, tem de passar à prova dos factos”. Mesmo não sabendo onde e como isso poderia suceder, considerou que isso erra necessário para contrariar “o vazio declinante em que a retórica Trump prossegue um argumentário mas sem nada acontecer”. Mais: “A perda de credibilidade se não há um acto de força é grave para a reputação dos Estados Unidos, mas a realização desse acto de força é perigosa para a paz mundial”.
 
À hora a que escrevo este Macroscópio um navio russo dirige-se para a zona onde estão os navios norte-americanos que lançaram os 59 mísseis Tomahawk contra a base aérea síria e ninguém sabe se estamos a assistir a uma escalada ou apenas a jogos florais. Seja lá como for há uma outra coincidência que deve ser referida: Steve Bannon, o poderoso conselheiro de Trump que este tinha sentado no Conselho de Segurança Nacional, algo nunca antes visto, abandonou esta semana o cargo. Terá esse abandono alguma relação com a decisão de atacar a Síria, que terá sido tomada por unanimidade nesse órgão de aconselhamento do Presidente? Não sei, só sei que já se escreve nos Estados Unidos sobre a sua aparente perda de influência para os “globalistas”. Isso mesmo é analisado pela New Yorker em Steve Bannon is losing to the globalists, um artigo de John Cassidy escrito antes dos ataques. Nele se nota, por exemplo, que “Bannon has embraced an alternative vision, which he calls “economic nationalism.” Many of his critics have identified it as a desire to upend the international order that was established after the Second World War, and to replace it with a protectionist, ethnocentric model—one in which the United States, Russia, and nationalist-led European countries join together to fight Islam and confront a rising China. During the campaign, and even during the transition, Trump sometimes seemed to be leaning in Bannon’s direction. But since he has taken office, the actions of his Administration have indicated otherwise.”
 
7 de Abril de 2017. Repito que é cedo para sabermos como a História registará este dia. Para já nós vamos de fim-de-semana, ainda mais inquietos por causa de Estocolmo, sem saber tudo o que pensar do ataque na Síria. Desejo a todos boas leituras e, naturalmente, um bom descanso, até porque se anunciam dias de um sol glorioso neste extremo ocidental da Europa. 

 
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