Escrevi recentemente o artigo “Manutenção da Ignorância é Projeto Colonizador”.
Nele discorro sobre a trajetória da educação no Brasil, desde o descobrimento até 1964.
Estruturei o artigo e colhi muitas informações no excelente livro da professora Maria Luísa Santos Ribeiro, “História da Educação Brasileira – A organização escolar”.
Pretendo refletir com meus caros leitores sobre o que podemos esperar neste século XXI para nossos filhos e netos. O que vem sendo a educação para o período no qual as tecnologias do século passado estarão superadas, as ideologias, de séculos ainda mais longínquos, incapazes de nos dar respostas, e os processos de dominação sempre mais sutis?
Manter a educação com a pedagogia colonial, que nos levou a triste realidade dos corruptos e ignorantes golpistas de 2016, será fundamental para prosseguir a dominação colonial.
Tentemos entender os recursos desta permanência e buscar alternativas.
Excluída a generalidade constitucional, a Lei 9.394/1996 – Lei das Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) disciplina a educação brasileira. Esta lei, no parágrafo 2º de seu 1º artigo dispõe: “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.
Durante os governos militares, especialmente entre 1967 e 1979, quando o Brasil desenvolveu-se industrialmente, a educação esteve subordinada aos interesses “do mundo do trabalho”, um elemento do sistema produtivo. E, como se constata, a Lei de 1996, firmada por Fernando Henrique Cardoso e Paulo Renato Souza, nada alterou neste sentido. Mas deu ainda um passo atrás, quando estabelece no artigo 2º:
“A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, ou seja, o Estado entra como complementar e a qualificação para o trabalho é o único objetivo claro e específico.
Como sabemos, o mundo pós 1980 deixou de ser conduzido por interesses nacionais e passou a ser dominado por um sistema, o sistema financeiro internacional, que denomino sinteticamente por “banca”.
Nos anos do pós guerra, havia para os países capitalistas – metrópoles e colônias – o medo da invasão ideológica, pois não se poderia, sem cair no ridículo, imaginar a invasão mundial por tropas da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Nos dias hodiernos, parece difícil fazer as pessoas entenderem que uma outra ideologia toma o mundo: o neoliberalismo, que tolhe muito mais os seres humanos. Não me afastarei, no entanto, do foco na educação.
A cidadania, um processo em permanente construção, é que poderá dar a liberdade, antes obtida na luta contra a nação colonizadora.
Brevemente, conceituemos cidadania.
A filosofa estadunidense Nancy Fraser (“Reconhecimento sem ética”, in “Teoria Crítica no século XXI”, Jessé Souza e Patrícia Mattos, organizadores) apresenta como “centro normativo” da concepção de cidadão o “ser um par, de estar no mesmo nível que os outros, de estar em pé de igualdade”.
Para construção da cidadania, muitas outras ações devem ser adotadas, mas, neste artigo, trataremos apenas da educação.
Antes devo esclarecer algumas circunstâncias da dominação da banca.
Se partiu das finanças, logo se espalhou pela economia, pelas comunicações de massa, pela política, por todos os campos da vida social e, hoje, domina Estados. É um exemplo desta dominação o fato de os partidos, em toda extensão das variedades políticas e ideológicas (trabalhistas, conservadores, socialistas, democratas, republicanos etc), quando no poder, adotarem as mesmas medidas: contenção fiscal, prioridade em superavits orçamentários, privatizações – afastamento do Estado de ações políticas e socioeconômicas – redução salariais e de benefícios trabalhistas, previdenciários entre outras.
O termo globalização pode ser melhor entendido como dominação mundial, tal como se julgava pretender o marxismo-leninismo soviético.
Por esta razão, não poderia tratar da educação no Brasil com os mesmos pressupostos da independência nacional, como analisei dentro do roteiro da professora Santos Ribeiro. É bastante evidente que a questão nacional persistirá, mas incluirá, agora, outras características.
Na construção da cidadania, distingo três conjuntos, de implementação simultânea e integrada: existência, consciência, vocalização.
A educação participa da consciência, que objetiva dotar as pessoas da compreensão de seu ser e dos outros. Vejamos como se insere, neste universo de dominação da banca.
Nas estratégias de dominação, o sistema financeiro internacional deu grande relevância aos conceitos de multiculturalidade e ambientalismo. A existência de um “cidadão do mundo”, pretensa síntese dos direitos inalienáveis do ser humano, facilita ou justifica a formações dos grandes conglomerados multinacionais, dirigidos unicamente pelos interesses financeiros.
Escreve Pedro Demo: “que os Estados Unidos se arvorem em garante dos direitos humanos, é algo que clama aos céus, mas, no fundo, representa a velha ambiguidade do espaço social: sempre que se abre espaço, fecha-se outro, pois esta é a arqueologia do saber e do poder” (“Cidadania & Estado”, em “Reflexões para o Terceiro Milênio”, Anuário de Educação 1999/2000, Barbara Freitag, organizadora, Edições Tempo Brasileiro, RJ, 2000).
Vemos constantemente o que chamo “ciladas educacionais”.
Estatísticas de tempo de formação acadêmica e salários, exigências de emprego e oferta de cursos – médios e superiores – e os pretensos privilégios por raça ou condição econômica, bem ou mal sucedidos de acordo com o interesse da propaganda midiática. Mas não encontro os debates sobre a formação da cidadania pelo processo educacional, exceto em pouquíssimas publicações especializadas e de circulação restrita.
Como romper um círculo tão bem construído e gerido pelos colonizadores, antes os Estados Nacionais, hoje a banca?
Transcrevo do artigo “Problemas no ensino de literatura que já duram quatro décadas”, de Noêmia Lopes, em 21/01/2014 (“Agência FAPESP”), ao comentar a pesquisa analisada no livro “O Professor de Português e a Literatura”, de Gabriela Rodella de Oliveira (Editora Alameda, SP, 2013):
“professor (tem) o seguinte perfil médio: origem em família com baixa escolarização; pouco contato com a leitura na infância; integrante da primeira geração familiar a conquistar uma escolarização de longa duração (embora precária); ensino básico concluído na rede pública e superior, em instituição particular; salário baixo e longa jornada de trabalho; participação em formações continuadas muitas vezes ineficazes; leitor restrito a best-sellers e clássicos escolares”. Adiante: “os professores “tendem a não enxergar no estudante os alunos que eles mesmos foram”.
“Nas respostas, TV e internet apareceram como “fatores desestimulantes a um modo de leitura que os alunos, supostamente, deveriam ser capazes de realizar, tipo de leitura que os próprios professores não costumam praticar”, relata a autora no capítulo de conclusão”.
Como fica evidente, há enorme lacuna a ser preenchida nos docentes.
Mas qual o primeiro passo?
Como transformar o professor num agente da formação da cidadania? Como fazer dos professores de professores cidadãos conscientes? Críticos? Capazes de contribuir para o desenvolvimento civilizatório?
Retomemos ao domínio da banca.
Ela exacerba a inimputável violência dos ricos que veem nos trabalhadores (professores) apenas custos. E os Estados, que servem à banca, a estes ricos rentistas, colaboram com baixos salários nas funções públicas essenciais, como são todas aquelas ligadas à educação.
Em oposição à Lei firmada pelo professor (?!) Cardoso, a educação, primordialmente, é função do Estado.
Como derrubar esta violência? Com política.
Aí está um dos sentidos da Lava Jato, da diuturna campanha de agressão indiscriminada aos políticos e à política pelos meios de comunicação de massa. Uma verdadeira cortina, um dos inúmeros muros que se constroem, física, virtual e socialmente, em todo mundo, fazendo do muro de Berlim um caso de jardim de infância diante de pós graduações.
Para que possamos conseguir qualquer êxito na luta contra a banca, precisamos repudiar seus parâmetros: superavit fiscal, dólar flutuante, metas de inflação, privatizações.
O Brasil de hoje necessita a revisão integral desta legislação excludente, entreguista, retrógrada que os congressos eleitos pela corrupção da banca nos impuseram.
A valorização do professor, fundamental para termos bons professores, começa pelos salários. Um professor não pode ganhar menos do que um juiz, um promotor, um defensor público, um oficial das Forças Armadas.
A Pátria Livre exige coragem e determinação.
A cidadania não é possível se o País estiver sob governo (executivo, legislativo e judiciário) colonizado, serviçal dos colonizadores.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado pedroaugustopinho@hotmail.com
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