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Assunto: Hegemonia, Projeto de Poder etc
Data: Seg 6/08/18 11:11
Este artigo de articulista que não conheço e nunca havia lido, até onde a memória me deixa, tem consideração óbvias. E de tão óbvias, invisíveis. Tive um professor de administração que costumava dizer: o óbvio é o mais difícil de ser visto. Também Sherlock Holmes dá uma prova de que não se vê o óbvio ao Dr. Watson perguntando quantos degraus tinha a escada de acesso ao andar deles.
Segue o artigo.
Boa leitura.
"Hegemonia", "Projeto de poder" e a miséria do discurso das oposições
por Fernando Horta
Desde 2013, uma parte do argumento contra os governos do PT foi ligada a uma teoria da conspiração que faria inveja ao submundo da Guerra Fria: o Foro de São Paulo. Agora, um pedaço da esquerda, em oposição à Lula, cria uma versão “intelectual” do mesmo argumento, a “hegemonia” do PT.
Se o leitor gosta de Teorias da conspiração vale fazer uma pequena busca no google a respeito dos termos “annunakis”, “Nibiru”, “illuminati” e ligar com o “11 de setembro”, o assassinato de Kennedy ou a morte de Elvis. Se quiser produzir algo próprio, juntando tudo isto, tenho certeza que será muito lido. Teorias da conspiração estão entre os assuntos mais apaixonantes das redes. É possível passar-se horas debruçados nas histórias da “Passagem Dyatlov” ou da rádio fantasma UVB-76.
O que faz com que tais construções sejam tão apaixonantes é que elas são erguidas sobre alguns fatos verificáveis empiricamente, mas que são extrapolados, em forma de explicação, para o campo fértil do imaginário. O “Foro de São Paulo” e a “Hegemonia” ou o “Projeto de poder do PT” estão exatamente nesta categoria. Não vou tratar do Foro aqui, deixemos para um segundo texto, mas, nos últimos dias, a direita raivosa recebeu a ajuda de uma esquerda magoada e afinaram o discurso.
Para começar a conversa, não há um partido, agremiação ou mesmo pessoa, no mundo, que não tenha um “projeto de poder”. Projeto remete ao tempo futuro e é claro que as ações humanas no presente levam em conta os cenários do futuro. Me arrisco a dizer que mesmo São Francisco de Assis poderia ser acusado de ter um “projeto de poder” ao abandonar a riqueza e “dominar a mente e os corações” dos animais e das populações mais pobres. Claramente num perigoso esforço comunista revolucionário.
De um congressista conservador no interior do Texas, a um Brahmin (casta alta na Índia) dentro do Rajya Sabha (câmara alta indiana), todos têm um projeto para manterem-se no poder. E isto vale para professores dentro de um colégio ou numa universidade, para advogados dentro de uma banca, médicos dentro de um hospital e absolutamente todo e qualquer ser humano que existe ou já existiu e vive em alguma sociedade.
Por que, patavinas, um partido – cuja função essencial é racionalizar, representar e exercer poder – seria diferente?
O argumento da direita, que exerceu forte impacto nas narrativas da conspiração desde 2013, é simplesmente inócuo. É claro que o PT tem um projeto de poder. Como, afinal, TODOS os partidos. No Brasil e no mundo. Acusar um partido de ter um “projeto de poder” é como acusar uma planta de fazer fotossíntese ou acusar um Leão de comer carne. Dizer que um partido “quer se perpetuar no poder” é uma asneira sem sentido, já que TODOS os partidos querem se perpetuar no poder. Cabe ao campo da oposição se organizar para atender o interesse das massas e – dentro do jogo democrático que prevê eleições periódicas – barrar este projeto. Ocorre que quando um partido barra o “desejo de poder” do outro, imediatamente ele dá vão ao seu próprio “desejo de poder”. E, no Brasil, é mais fácil acusar o governo de “dominador” do que modular o discurso da oposição para o patamar das demandas históricas da população.
Vamos lembrar que o PT, por exemplo, votou contra a famosa emenda da reeleição de FHC.
O “Projeto de poder”, portanto, não passa de uma romantização do choro dos perdedores. Uma forma de colocar a culpa da incapacidade dos opositores de oferecer à sociedade brasileira um projeto competitivo para o país e para a sociedade. É claro que no clima de histeria criado após 2013, clima, aliás, que resultou num dos pilares discursivos para a deposição de Dilma, o “projeto de poder” foi parar até na boca de Suas Santidades os ministros do STF, e no “power point” de membros do nosso neutro e republicano MPF.
Este ponto do discurso da direita golpista, de tão raso e insustentável, foi deixado de lado. Percebam que mesmo o ataque ao “Foro de São Paulo” fica restrito a círculos de seguidores de um astrólogo que fazem e compartilham entre si vídeos em redes sociais. É quase uma sociedade fechada muar.
O que chama à atenção é a adesão de uma parte magoada da esquerda brasileira à MESMA TESE, agora com a utilização (errada) de um conceito caro à literatura de esquerda: a tal hegemonia. Abisma o uso por parte da esquerda de um termo de forma tão equivocada, empírica e teoricamente.
É Gramsci quem primeiro e melhor codifica a ideia de hegemonia. Segundo o italiano, ela ocorre em conjunto (ou substituição) à dominação física nua e crua. A “hegemonia” é a ACEITAÇÃO por meio do convencimento da dominação de classe. O ponto principal, portanto, do conceito de hegemonia não é a ideia de dominação ou de superioridade, mas o componente da aceitação pelo dominado do papel de dominado. É uma ferramenta que aparece muito fortemente no conceito de “meritocracia”. A burguesia explica sua superioridade no controle financeiro e material do mundo através da ideia de “mérito” e cria, na cabeça dos dominados, uma noção legítima desta dominação. Este processo diminui os custos de manutenção do poder. Por convencer os dominados que eles assim o são porque o dominador é “melhor”, diminui-se a necessidade do emprego da violência.
Uma massa sob o efeito da hegemonia não a questiona. Se há, pois, o reconhecimento da dominação e o seu QUESTIONAMENTO, não há que se falar em “hegemonia”.
O conceito não se verifica sequer empiricamente. Lembremos que o primeiro ministério de Lula, por exemplo, era composto por Roberto Amaral, Miro Teixeira, Cristóvão Buarque, Agnelo Queiroz (que na época era do PCdoB), Ciro Gomes, Marina Silva, Walfrido Mares Guia e Henrique Meirelles. Chega a ser risível o argumento de que Lula evitou o surgimento de novas lideranças quando quase todos os candidatos com alguma chance à presidência do Brasil em 2018 surgem e crescem nacionalmente sob as oportunidades dadas por Lula.
Mesmo o PT não pode ser acusado deste absurdo. Veja-se que em 2018, por exemplo, houve expressa negociação para o apoio a Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, que é, um dos três maiores colégios eleitorais do país. Ainda, em vários estados, o partido opta por apoiar candidaturas de outros partidos ao invés de “hegemonicamente” impor candidaturas locais próprias. E isto ocorreu em 2014, em 2016, e é marca em 2018.
O que não se pode querer é que um partido que foi apeado do poder por um golpe e que tem o candidato à presidência com maior número de intenções de voto, simplesmente abra mão de todo o seu capital político, amealhado democrática e republicanamente nos últimos anos, para se submeter a sabujos argumentativos como “autocrítica”, “projeto de poder”, “hegemonia” ou qualquer outro embuste que tenta se vender como imperativo moral neste momento.
O choro de parte da esquerda, que imita o mesquinho argumento da direita, apenas desvela a incapacidade desta mesma esquerda de se constituir como alternativa viável aos olhos da imensa maioria da população. O governo Lula foi pródigo em oportunidades políticas, quem não as aproveitou, por incompetência própria, hoje se aproxima dos argumentos enviesados de uma direita tosca e fascista.
Da direita, entretanto, espera-se bobagens, sandices e asneiras. Da esquerda ilustrada, se elas surgem, denotam uma certa falta de respeito. Especialmente para com aqueles que têm capital cultural e formação para compreenderem o tamanho da pilhéria.
Não senhores, estamos num tempo em que o “choro” não é livre ... É preciso amadurecer.
Fernando Horta - Graduação em história pela UFRGS e mestrado em Relações Internacionais pela UnB. Atualmente é doutorando da UnB. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da Ciência, Epistemologia e Teoria de História e de Relações Internacionais.
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