Não por esta história colonizadora, que restringe o mundo à Europa.
A história que revive também nossos outros ancestrais: americanos, africanos, asiáticos, que nos livros em que estudei, lá se vão mais de setenta anos, pareceriam hoje tratar de marcianos ou venusianos.
A Idade Média europeia foi um longo caminho para construção de Estados Nacionais, como os já existentes na América, na África e na Ásia. Visitando o Museu do Cairo, diante de meu entusiasmo pelas mostras civilizacionais existentes, o guia, com alguma soberba, disse, "nesta época os ingleses andavam nas árvores".
Por que é desejada, necessária esta construção?
Porque Estados Nacionais dão coesão às populações; protegem os mais fracos dos mais fortes, os nacionais dos estrangeiros, unem diferenças de crenças, de etnias, de culturas para objetivos comuns, são o feixe de lenha, mais rígido, mais firme, mais difícil de quebrar que uma simples vara ou mesmo um cajado.
Mas se o Estado serve ao povo não necessariamente serve ao capital.
E é o que coloca o mundo atual na permanente crise, fabricada pelo sistema financeiro internacional, a banca. O mundo que vê tudo reduzido a dinheiro, uma abstração sem valor intrínseco, esvaziando todo sentido da vida, todo valor humano.
Vamos a fatos e análises.
O grande brasileiro, engenheiro e professor, José Walter Bautista Vidal (1934-2013), idealizador do Pró-Álcool, escreveu na Introdução da fundamental De Estado Servil A Nação Soberana (Editora Universidade de Brasília - Vozes, Petrópolis, 1987):
"A inexistência, no Brasil, de um projeto nacional e as dificuldades para implantá-lo são sintomas que esclarecem razões de nossos tropeços institucionais, bem como da natureza dos interesses vinculados à manutenção do status quo. Isto, naturalmente, está na origem das nossas dificuldades para estabelecer uma dinâmica de vida que tenha por objetivo a existência de uma Nação justa, organizada e independente."
"Entre nós, por imprudência ou estultice, muitos se dedicam a atribuir todo tipo de vilanias aos brasileiros, como se esses fossem atributos intrínsecos à natureza do nosso povo. Não nos conscientizamos de que, assim agindo, estamos jogando o jogo pretendido por aqueles que condenam nossos filhos, por condicionamento, a pertencer a um povo sem destino e sem caráter".
"Qualquer sociedade, trabalhada persistentemente por estas técnicas, em proveito de interesses escusos, tende a ficar indefesa, sem respeito por si mesma e, por isso, propensa a se deixar destruir pelo desmoronamento de sua estrutura de valores e pelo aniquilamento dos fundamentos da sua cultura".
Tratemos de cada item exposto pelo professor Bautista Vidal.
Projeto Nacional. Quando nos tornamos politicamente independentes, o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, apresentou ao Imperador e à sociedade brasileira seu projeto nacional. Um projeto liberal mas que exigia, para seu sucesso, a existência de um país de trabalhadores, não de escravos.
E aí o projeto fez água.
Seriam os brasileiros tão maldosos, tão mesquinhos que não poderiam imaginar um país próspero, livre, sem escravos?
Minha resposta vai buscar o Poder que dirigia o Brasil em 1822: os financistas ingleses, sua aristocracia financeira.
O Brasil nascia devedor, assumindo as dívidas de Portugal, e contraindo novas dívidas para o gáudio das elites europeias.
Dívidas que iriam abastecer o fausto de uma corte que se via e se sentia europeia, com a vida absolutamente distante do país que governava e que tinha nas forças armadas um instrumento de repressão, de agente de interesse estrangeiro (Guerra do Paraguai) e não da defesa nacional. E, quando estas não lhe bastavam, ia buscar a esquadra inglesa (Lord Cochrane, saqueador da cidade de São Luis).
Com a dívida vinham as obrigações e as restrições às decisões.
O Brasil deveria manter o modelo econômico exportador de produtos primários, a custos insignificantes, para maximizar os lucros dos intermediários e conquistar mercados para os revendedores, sempre empresas estrangeiras, à época majoritariamente inglesas.
Apenas um regime escravagista possibilitaria atender aos credores.
E este sistema também favorecia o ócio e o embotamento mental das brasileiras "elites colonizadas".
A ignorância é abundante em nossa classe média e rica, como demonstram as "decepções" com seus heróis de ocasião: Lacerda, Jânio, Collor, Aécio, agora Bolsonaro e Moro.
Ninguém viu as farsas dos discursos, nem a quem serviam. Todos obnubilados pela mídia, que é a permanente doutrinação estrangeira, de ideologias contrárias à afirmação nacional.
Teotônio Brandão Vilela (1917-1983), um político raro, conservador e digno, levantou a voz, ao tempo dos militares no poder formal, para combater a omissão, a covardia, a mistificação dos fatos, que ocultavam o desmonte nacional, a corrupção empresarial e política.
O mato que nasce à nossa porteira, na expressão de Teotônio, é a dependência externa, a falta de brio patriótico, do verdadeiro nacionalismo.
Severo Gomes, Ministro do Presidente Geisel, escreveu "o capital estrangeiro se constitui em um arcabouço industrial, tecnológico, mercadológico e financeiro que procura impor ao mundo a utopia consumista" (Tempos de Mudar, Ed. Globo, RJ, 1977).
O que destruía ideais progressistas e humanistas.
Identidade Nacional. Por muito tempo, mais de 500 anos, somos todos escravos. Não pelos trabalhos mas pela mente servil.
Quem são então os brasileiros?
Hoje, os bisnetos de escravos do trabalho e os filhos dos escravos da pedagogia colonial.
A consciência do ser é o primeiro passo para nossa libertação.
Vamos buscar em mestres - Darcy Ribeiro, Décio Freitas, Guerreiro Ramos, Pe. Henrique Vaz S.J., Jessé Souza e Joel Rufino dos Santos - as luzes para esta reflexão.
Há, na colonização do tempo moderno, uma distinção que é o caráter universal.
As ideologias que se formaram para dar suporte às dominações não são particulares para povos ou culturas, são gerais para a humanidade. Elas passam a integrar as instituições de ensino/comunicação de massa com sua lógica dominadora que inibe uma contrapartida também ideológica, pois as respostas são específicas para aquelas generalidades dominadoras. Fica-se diante de um particular que não se insere na estrutura do pensamento colonizador. E assim não frutifica, por exemplo, a organização social adequada para as condições geográficas, ecológicas, humanas de uma colônia, pois a dialética transformadora é impedida pela doutrina ou filosofia colonial. Vimos que a estrutura de Estado, trazida por Tomé de Souza, primeiro gestor da colônia brasileira, se repete até na república, repartindo-se apenas pelos volumes, mas mantida a mesma lógica organizacional.
Não sendo possível uma formulação a partir das condições locais específicas, a adaptação a estas condições, a "redução sociológica", é também criticada como erro, um desvio da perfeição ideológica colonizadora.
É triste, mas muito curioso, ver, por exemplo, a análise de Eduardo Costa Pinto (Bolsonaro e os Quartéis: a loucura com método, Instituto de Economia, UFRJ, 2019), das importações ideológicas de "segunda mão" que o General Sérgio Augusto de Avellar Coutinho faz de "pensadores" estadunidenses. Na primeira mão os que se opunham ao New Deal e, após as derrotas dos Estados Unidos da América (EUA) na Coreia, no Vietnã, na disputa com o Japão e a China e, mais recentemente, na Síria, nesta versão que foi assimilada pelos Bolsonaros. Na mesma linha, a Biblioteca do Exército publicou, em 2009, de George e Meredith Friedman, "Poder Mundial - A Tecnologia e o Domínio dos Estados Unidos no Século XXI" (!).
Hoje a colonização vem com o pensamento neoliberal, que oferece um novo empecilho para a construção nacional brasileira.
O neoliberalismo propugna a destruição dos Estados Nacionais.
Como na expressão de Darcy Ribeiro, "afundaremos na ninguendade".
E, por isso, considero a mais urgente tarefa para os brasileiros garantir a existência do Estado Nacional.
Os projetos de privatização, a contrarreforma da previdência, as securitizações das dívidas de Estados e Municípios se inserem neste objetivo absolutamente hostil à nossa soberania, à nossa própria existência como povo e Nação.
Lutemos pelo Estado Nacional Brasileiro!
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado pedroapinho652@gmail.com
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