EIGHT THOUSAND JURISTS THROUGH A WORLD MANIFEST AGAINST COUP
13/04/2016 - 16:34 Abaixo é encabeçado pelo jurista português Boa Ventura de Sousa Santos Ramon Moser/UFRGS
Nova Campanha da Legalidade relembra a rede liderada por Brizola contra tentativa de romper a ordem constitucional para impedir posse de João Goulart
A
elevada preocupação com a abertura de um processo de impeachment contra a
presidenta, Dilma Rousseff, sem a existência de base jurídica para
fundamentá-lo, levou um grupo de mais de 8 mil juristas a lançar um manifesto
mundial em defesa do Estado Democrático e Constitucional de Direito no Brasil.
A
iniciativa foi chamada de Nova Campanha da Legalidade, para relembrar a rede liderada
pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, em 1961, para
mobilizar a sociedade brasileira contra as tentativas de ruptura com a ordem
constitucional após a renúncia de Jânio Quadros, que visavam a impedir a
posse de João Goulart. A Nova Campanha da Legalidade é formada por
juristas de todos os Estados brasileiros.
O
manifesto, cujo abaixo assinado é encabeçado pelo jurista
português Boaventura de Sousa Santos (Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra), reafirma a importância de não se admitir no Brasil
“violações de garantias fundamentais estabelecidas nem a instalação de um
Estado de exceção por meio de um processo de impeachment sem fundamento
jurídico”.
O
texto defende também a “imparcialidade da Justiça, que deve operar segundo os
ditames da Constituição e do ordenamento jurídico” e a luta pela preservação da
estabilidade e do respeito às instituições políticas como forma de não passar
por cima da “vontade do povo, manifesta através dos meios definidos pela
Constituição, por meio de eleições diretas regulares e periódicas”. Além disso,
o manifesto sustenta a importância de se combater a corrupção “de forma ética,
republicana e transparente, por meios pertinentes, sem que para isto haja
qualquer restrição ou flexibilização de direitos”.
Entre
os nomes que sustentam o manifesto, estão: José Geraldo de Sousa Júnior,
professor e ex-reitor da UnB; Marcelo da Costa Pinto Neves,
professor-titular de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de
Brasília, Visiting Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Yale
(EUA); Geraldo Prado, professor da UFRJ; Gilberto Bercovici,
professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de
Direito da USP; Lenio Streck, professor da Unisinos e da
Unesa; Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor da Faculdade de
Direito da USP; Menelick de Carvalho Neto, professor da Faculdade de
Direito da UnB; Beatriz Vargas, professora de Direito Penal da
UnB; Marcelo Cattoni, professor de Direito Constitucional da UFMG;
e, Nilo Batista, professor-titular de Direito Penal da UERJ.
“A
eliminação da corrupção não pode corromper os direitos”, escrevem os juristas
no manifesto, que foi traduzido para cinco línguas, além do português.
Em 22
de março, a presidenta Dilma já havia recebido o movimento Juristas pela Legalidade e em Defesa da Democracia no
Palácio do Planalto, em mais uma demonstração da falta de fundamento jurídico
para sustentar o pedido de impeachment.
Acesse
o manifesto e divulgue em suas redes, nas versões em português, espanhol, italiano,francês, inglês e alemão.
Leia
a seguir a íntegra do manifesto:
“A
Nova Campanha da Legalidade – Brasil
CONTEXTUALIZAÇÃO
A
Presidenta Dilma Roussef tem sido alvo de ataques sistemáticos provenientes de
políticos da oposição, da grande mídia e de setores conservadores da sociedade
desde o anúncio oficial de sua vitória no segundo turno das eleições de 2014.
No
primeiro momento, antes mesmo que a Presidenta fosse empossada no cargo, a
oposição dá início a uma campanha destinada a espalhar a descrença quanto à
confiabilidade da apuração dos votos e à regularidade do sistema eleitoral
informatizado. Em providência inédita desde a implantação do voto eletrônico
(1996), o Tribunal Superior Eleitoral autoriza a auditoria reclamada pelo
candidato derrotado, ainda que sem demonstração de indício de fraude.
Fracassada
essa primeira tentativa de inviabilizar o Governo eleito, o candidato da
oposição, inconformado com a derrota, conclama a população brasileira a sair às
ruas para pedir a renúncia da Presidenta, acusada de abuso das contas públicas
para ganhar as eleições. Os principais movimentos organizadores dos protestos,
autodefinidos “apartidários e espontâneos”, de orientação política conservadora
e financiados por grandes corporações nacionais e estrangeiras defensoras do
livre-mercado, querem o impeachment.
No
começo do ano de 2015, a coligação do candidato derrotado pede à Justiça
Eleitoral a impugnação do mandato da Presidenta e do Vice, alegando abuso de poder
político e econômico durante a campanha (ao final do mesmo ano, a ação é aceita
pelo Tribunal Superior Eleitoral – até agora não julgada).
No
decorrer do ano de 2015, os ataques da oposição se intensificam. É o momento em
que a Petrobras torna-se alvo da maior operação contra a corrupção já realizada
no País – o que se fez possível exatamente em razão das medidas de controle e
transparência aprovadas ao longo dos anos de governo do Partido dos
Trabalhadores. A grande mídia privada promove as ações do juiz Sérgio Moro –
encarregado dos processos instaurados a partir das investigações policiais –
como um espetáculo de massas. Isso se dá por meio de sistemática cobertura
seletiva e parcial em relação aos fatos, acompanhada de comentários
depreciativos em relação ao governo e estigmatizantes em relação aos seus
apoiadores.
Grandes
grupos de comunicação se dedicam claramente a descontruir um dos lados da
disputa política e a fortalecer o outro, fomentando a ideia de que o Partido
dos Trabalhadores é o responsável pela corrupção estrutural no Brasil. Reduzem
a dimensão das manifestações populares em favor do governo e ocultam as nuances
e a complexidade do momento político, colocando-se entre os protagonistas da
campanha “Fora, Dilma!”.
Ainda
em 2015, o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, investigado por
envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras e réu em ação penal por
recebimento de propina em conta na Suíça, recebe pedido de impeachment fundado
1) nas chamadas “pedaladas fiscais” (2015), apresentadas como operações de
crédito entre a União e os bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal e BNDES), e 2) na edição de seis decretos não numerados responsáveis
pela abertura de créditos suplementares, sem autorização legislativa.
Nenhuma
das duas ações, todavia, contempla a exigência constitucional de ofensa à lei 
orçamentária a configurar crime de
responsabilidade, única situação em que o ordenamento jurídico brasileiro
autoriza a tramitação do processo de impeachment.
Eduardo
Cunha, ainda não afastado pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, segue
intocado no cargo de Presidente daquela Casa. Nessa condição, com o apoio da
oposição derrotada nas urnas em 2014, está prestes a conduzir a primeira e mais
importante fase do processo de impeachment.
Do
outro lado, sujeita à cassação, sem qualquer indício, investigação ou acusação
de sonegação de imposto ou de informações de bens e valores à Receita Federal,
encontra-se a Presidenta Dilma Roussef, que não tem conta no exterior, que não
figura em qualquer lista de políticos envolvidos com a corrupção da Petrobras,
que não foi apontada em qualquer delação premiada por recebimento ou
oferecimento de propina, que não figura como acusada ou investigada em
procedimento policial ou criminal.
De um
lado, o princípio da presunção de inocência; do outro lado, a presunção da
culpa como regra política do momento. A agravar, a Comissão Especial do
processo de impeachment na Câmara vê-se formada, em sua maioria, por políticos
que, comprovadamente, receberam doações de campanha por parte de empresas que
figuram na investigação dos desvios na Petrobras. Membros dessa Comissão
Especial são políticos investigados nessa mesma operação policial.
O
Brasil vive momento particular de grande apreensão e sofrimento. Nas ruas e
redes sociais, ódios são destilados àqueles que apelam pela defesa da
Democracia ou do Direito. Cidadãos comuns ou figuras públicas que não
participam do “falso consenso” produzido pela oposição tornaram-se alvo de
ataques pessoais estimulados pela mídia conservadora e dominante, claramente
interessada na reversão das urnas. A Presidenta Dilma é ofendida, inclusive na
sua condição de mulher, por  meio de insultos machistas e
piadas misóginas. Políticos aliados, por interesses pessoais ou eleitoreiros,
afastam-se da sustentação política do governo.
Desde
as eleições, a própria governabilidade vem sendo ameaçada, inúmeras ações são
inviabilizadas pela maioria parlamentar, para fomentar a crise econômica,
social e política que autoriza o discurso golpista. O Direito tem sido, por
muitos juristas ou agentes do sistema de justiça, usado como instrumento
político de reversão do resultado das urnas, em flagrante abandono de princípios
elementares assegurados em diversas instâncias judiciais.
Nesse
cenário, é altamente preocupante a perspectiva de rompimento da ordem
democrática e a violação da soberania popular pela via do abuso de poder. Ou,
em outras palavras, pelo exercício de um poder que não se submete ao Direito.
A
ausência de fundamento fático válido para motivação do impeachment, a
utilização de juízos políticos, vagos e imprecisos, e o descumprimento do
princípio constitucional da legalidade são o instrumental caracterizador do que
se pode chamar de “golpe legislativo”, “golpe branco” ou “golpe encoberto” (a
deposição de Fernando Lugo, Presidente do Paraguai, em 2012, embora não seja
caso isolado na América Latina, é o que mais bem ilustra a aplicação desse
juízo político, para deposição do Chefe do Poder Executivo no sistema
presidencial: “mau desempenho político”).
Contudo,
no regime presidencialista, o julgamento acerca do desempenho político do
mandatário é do cidadão, por meio do voto em eleições regulares e diretas,
jamais do Legislativo, sob pena de quebra do Estado Democrático de Direito.
A
NOVA CAMPANHA DA LEGALIDADE: MANIFESTO DE JURISTAS EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E
DO ESTADO DE DIREITO
À
Exma. Senhora Presidenta da República, aos Exmos. Senhores Senadores da
República, aos Exmos. Senhores Deputados Federais, aos Exmos. Senhores
Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao Povo Brasileiro
A
Nova Campanha da Legalidade: Manifesto de Juristas em Defesa da Constituição e
do Estado de Direito
Nós,
abaixo assinados, juristas, advogadas e advogados, professores e professoras de
Direito de todo o país, vimos por meio desta nota:
1 –
Afirmar o Estado Democrático e Constitucional de Direito, que deve estar
submetido às leis e se realizar através da lei, não admitindo violações de
garantias fundamentais estabelecidas nem a instalação de um Estado de exceção
por meio de um processo de impeachment sem fundamento jurídico;
2 –
Defender a imparcialidade da Justiça, que deve operar segundo os ditames da
Constituição e do ordenamento jurídico, não admitindo a sua partidarização, seu
funcionamento seletivo e perseguições políticas de qualquer natureza;
3 –
Sustentar a repressão à corrupção, que deve se realizar de forma ética,
republicana e transparente, por meios pertinentes, sem que para isto haja
qualquer restrição ou flexibilização de direitos ou mesmo a utilização
irresponsável de meios de comunicação para a sustentação artificiosa e inidônea
de procedimentos judiciais. À eliminação da corrupção não pode corromper os
direitos;
4 –
Dizer que lutaremos para preservar a estabilidade e o respeito às instituições
políticas o que, especialmente num momento de crise, vem a ser a posição mais
prudente, no sentido de se fazer respeitar a vontade do povo, manifesta através
dos meios definidos pela Constituição, por meio de eleições diretas regulares e
periódicas.
O
Brasil vive, no atual momento, grave crise na sua recente democracia. Durante
os anos de ditadura, vários cidadãos sofreram e sacrificaram-se, para que
estejamos hoje em pleno exercício dos nossos direitos.
A
corrupção não é fato novo, mas se arrasta desde muito tempo no Brasil, e deve
ser fortemente combatida. Mas, a fim de eliminar a corrupção, não podemos, sob
pena de retrocedermos ao patamar das graves violações aos direitos dos cidadãos
brasileiros, havidas durante a ditadura militar implantada pelo Golpe de 64,
permitir: a relativização da presunção de inocência; expedientes arbitrários
como condução coercitiva de investigados ou pedidos de prisão preventiva, sem o
devido embasamento legal; utilização da prisão temporária, igualmente quando
ausentes os pressupostos previstos na legislação, com o fim de obter delações
premiadas; interceptações telefônicas ilegais que violam as prerrogativas dos
advogados e até mesmo da Presidência da República.
Ademais,
não podemos permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam
o processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam
destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a
opinião pública para apoiar tais operações.
Não
podemos aceitar a relativização do princípio democrático por meio de um
procedimento de impeachment sem fundamento jurídico. A Constituição exige o
cometimento, pelo Presidente, de crime de responsabilidade, a ser previamente
definido em lei ordinária. Não se trata, portanto, de pura e simples decisão
política ligada à satisfação ou insatisfação com a gestão.
O
voto popular escolhe o Presidente para um mandato de quatro anos, findo o qual
será avaliado. Ainda que se afirme ser o impeachment uma decisão política, isso
não afasta sua juridicidade, ou seja, seu caráter de decisão jurídica obediente
à Constituição. A aprovação de leis ou a edição de decretos também são decisões
políticas, mas nem por isso podem contrariar a Constituição. Afirmar que o
julgamento é político não pode significar que a Constituição possa ser descumprida.
É
requisito de constitucionalidade para o impeachment a prova da existência de
crime de responsabilidade. Mesmo por uma análise bastante legalista do
processo, a conclusão de que não há crime de responsabilidade se impõe.
A
democracia permite a divergência sobre a correção das decisões políticas, mas a
decisão última sobre os erros e acertos, em um regime democrático, repousa no
voto popular. Mesmo aos parlamentares eleitos pelo povo não é dado pela
Constituição o poder de excluir o chefe do Executivo, também eleito pelo
sufrágio, com base em dissensos políticos, mas apenas na hipótese estrita e
excepcional do crime de responsabilidade.
Nesse
sentido, queremos afirmar que a luta para preservar a estabilidade e o respeito
às instituições políticas passa pelo respeito ao mandato popular adquirido por
meio do voto em eleições regulares.”
Da
Agência PT
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