“Alguma coisa está fora da ordem; fora da nova ordem mundial” (Caetano Veloso, Fora de Ordem)
O que é esta “nova ordem mundial” (NOM)?
Primeiramente não é nova. Como veremos no decorrer deste artigo, ela é o poder dominante no mundo atual e age, resguardadas as “reduções” temporais (obrigado Guerreiro Ramos), como o velho império colonial britânico, no século XIX: com a prevalência do sistema financeiro.
Também não há “ordem”, salvo se assim qualificarmos os dois objetivos desta NOM: apropriar-se de todos os ganhos de todos os setores da economia e promover permanentemente a concentração de riqueza. E haja desordens e contradições para que estes dois objetivos sejam alcançados.
Logo, a própria expressão – Nova Ordem Mundial – é uma impropriedade.
Um slogan enganador, como tudo que sai da “banca”; palavra que uso para designar este poder financeiro internacional que asfixia economias, sociedades e nações em nossos dias.
Acertado o nome, vejamos agora a ação da banca, no que se refere à sociedade humana, não a interesses individuais mas aos interesses de todos os humanos – vida digna, integridade física e moral, segurança pessoal, familiar, possibilidade de aprender, trabalhar, de realização criativa, afetiva, de lazer –, se ela é positiva, neutra ou negativa.
Para esta resposta usarei algumas estatísticas internacionais, facilmente comprováveis na internet, e, principalmente, reflexões e informações do excelente livro “Ricos, Podres de Ricos”, do professor Antonio David Cattani (ADC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na 2ª edição, ampliada, de 2016 (Marcavisual Tomo Editorial, RS) e do, já clássico, livro de François Morin (FM), L´hydre mondiale: l’oligopole bancaire (Lux, Montréal, 2015).
A banca é o poder financeiro, mas poder é a expressão para pessoas, grupos.
Se menciono poder militar, serão pessoas com armas, logística que se unem para agir pela força; se poder psicossocial, são pessoas que dominam as comunicações de massas, credos religiosos, que lhes dão informações e produzem emoções condutoras de seu conhecimento e sentimento; sendo poder financeiro são pessoas que controlam os fluxos financeiros.
O mundo de hoje, como decorrência de decisões políticas adotadas na segunda metade do século passado, mais precisamente durante os governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América (EUA), tem este fluxo financeiro, majoritariamente, quase exclusivamente, controlado por menos de meia centena de famílias.
São estas os donos do mundo.
A partir das finanças, em ritmo cada vez mais acelerado, passam a controlar a economia, as comunicações, a política, as academias, as forças de segurança e as nações. Isso decorre – na expressão de Adrian Salbuchi – da formação da “tecnoestrutura supranacional”, órgão de planejamento, coordenação, gestão e controle para a banca.
Temos hoje, no Brasil, a execução deste plano, feito unicamente com objetivo de empoderar e enriquecer, cada vez mais, a banca.
“É perigoso dizer ao povo que as leis não são justas, pois ele as obedece somente porque as crê justas” (Blaise Pascal, Pensées, Misère, 66)
Na disputa ideológica no século XX, prevaleciam as armas e as tecnologias.
Ter bombas era ter poder. Neste século XXI, prevalecem apenas as finanças.
Houve progresso?.
Em seu livro, Antonio David Cattani precisa: “Para garantir poder e legitimidade, as classes abastadas conseguem inverter o que estava em curso, intensificando a dominação ideológica” e, adiante, “quanto mais desinformados forem os indivíduos mais devastadora é a dominação dos poderosos, que permanecem impunes e perpetuam as injustiças”.
Temos aqui duas vertentes da ação da banca: aquela que denomino “pedagogia colonial” ou, mais restritamente, “didática colonial” e
o protagonismo da toga, do poder sem voto, da atuação do judiciário sobre os demais poderes do País.
Assim, no campo político e psicossocial já podemos concluir que a banca não trouxe qualquer proveito para a humanidade, até avançaríamos apontando retrocessos.
E no campo dos salários?
Nos EUA, nos anos 1950, os principais executivos – CEO: Chief Executive Officer – recebiam em torno de 50 vezes o salário médio do país.
Vejamos, o que ocorreu, para os principais bancos internacionais, em 2013, comparado com seus lucros.
O banco que apresentou maior lucro foi o Banco da China (US$ 25,5 bilhões), seu dirigente recebeu US$ 200 mil, 35 vezes o salário médio naquele país; mas muito longe da série que mostro, a seguir. Ao lado da remuneração do CEO, o número de vezes deste salário em relação ao salário médio do país onde atua.
Banco Lucro (US$ bilhão) Remuneração do CEO em US$ milhão
Goldman Sachs 8,0 19,9 (397 x)
Wells Fargo 21,9 19,3 (385 x)
HSBC 16,3 12,6 (261 x)
Barclays 0,8 9,4 (246 x)
Deutsche 0,9 10,6 (241 x)
UBS 3,4 12,3 (149 x)
BNP Paribas 6,4 4,6 (109 x)
Temos, portanto, bancos estadunidenses, ingleses, alemães, suíços e franceses com remunerações de seus executivos mais de duas vezes superiores a dos executivos estadunidenses de 1950.
O que significa esta riqueza para elementos da “tecnoestrutura supranacional”? Com a palavra Antonio Cattani:
“A primeira, de extrema gravidade, é a corrupção”.
ADC trata da corrupção política, mas vou para a corrupção escravista.
Diversos estudiosos, historiadores, sociólogos, mostram, sem ressalva, a corrupção mental/comportamental do senhor de escravo, que, em não poucas vezes, como nos notáveis trabalhos da historiadora Sheila de Castro Faria, transcende a etnia.
Continuemos com Cattani. “O poder desses multimilionários faz com que se sintam acima dos outros cidadãos”.
Se já nos agride a soberba dos pés de chinelo nacionais, pois, entre os donos do mundo, nenhum brasileiro; entre seus agentes da tecnoestrutura, não mais do que uma dezena de brasileiros, podemos imaginar o desprezo que devotam aos golpistas de 2016 quaisquer destes “ricos, podres de ricos”.
Antes de prosseguir com os dados da banca, cabe uma nota sobre observação de Octavio Ianni: “Depois de alcançar certo dinamismo, em escala mundial, o capital industrial começa a influenciar, matizar, alterar ou mesmo destruir as formas de organização social e técnica das relações de produção que não se adequam, de alguma maneira, ao seu ritmo e sentido” (Aspectos da Formação Social Escravista, in J. R. do Amaral Lapa (org.), Modos de Produção e Realidade Brasileira, Vozes, Petrópolis, 1980).
Escrito em 1978, mesmo para os indiscutíveis talento e cultura de Ianni, não se suporia que o avanço do capitalismo tomasse um caminho de tão profundo retrocesso civilizatório.
“Conduzir é estar na retidão” (Confúcio, Analectos, XII, 17)
Em novembro de 2011, em Cannes (França), reuniu-se o Grupo de 20 Países, conhecido como G20, para tratar das responsabilidades da crise financeira de 2008. Publicaram a lista de 29 bancos (refeita em 2012 para retirar o franco-belga Dexia, que faliu) que seriam “bancos sistêmicos”, “grandes demais para falir”, que “por seus portes, complexidade e interconexão” causariam enorme perturbação no sistema internacional e na economia mundial.
Este critério, já apresentava, desde o início falhas metodológicas e conceituais. Questões importantes como a exposição a derivativos e a concentração de mercados, ficavam fora das avaliações.
Os 28 bancos, por nacionalidade e nestas pelo valor no balanço, eram: oito dos EUA (JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, Morgan Stanley, Goldman Sachs, Wells Fargo, Bank of New York Mellon e State Street), quatro do Reino Unido (HSBC, Barclays PLC, Royal Bank of Scotland e Standard Chartered), quatro da França (Crédit Agricole, BNP Parisbas, Société Générale e BPCE), três do Japão (Mitsubishi UFJ FG, Mizuho FG e Sumitomo Mitsui FG), dois da Suíça (UBS e Credit Suisse), dois da Espanha (Santander e BBVA), um da Alemanha (Deutsche Bank), um da Holanda (ING Bank), um da Suécia (Nordea), um da Itália (UniCredit Group) e um da China (Bank of China).
O clássico critério de avaliação dos bancos é a mobilização de recursos, sob a forma de depósitos (passivo), de um lado, e, de outro, da concessão de crédito (ativo), que equivale à criação de moeda. Mas, fora dos balanços e a razão das crises, encontram-se os derivativos. Vejamos para cinco bancos a relação de seu valor no balanço e seu compromisso com derivativos (dados de 2012)
Banco Valor no Balanço (US$ bilhões) Derivativos (US$ bilhões)
JPMorgan Chase 3.953 69.500
Deutsche 2.638 73.411
BNP Parisbas 2.490 63.773
Barclays 2.320 63.245
UBS 1.344 40.931
Além do extraordinário impacto nas condições da vida no planeta, que provoca tamanha concentração de recursos financeiros, e da exposição aos riscos em especulações, incentivada nas próprias remunerações dos executivos (CEO), há outra condição civilizatória atingida.
Não só Cattani, mas Jessé Souza (A Elite do Atraso, A Construção Social da Subcidadania, entre outros) e diversos argutos analistas das relações sociais no Brasil, ressaltam que a “ojeriza aos subalternos e diferentes se transforma em ódio explícito, levando à criminalização e à repressão dos seus representantes (MST, MTST, sindicatos e partidos de esquerda)” (ADC).
Confirmamos assim que a ação da banca, deste poder ditatorial, que esteve por trás do golpe e está dirigindo o governo golpista, é sumamente nefasto à civilização brasileira e ao próprio futuro de nosso País.
“Como será amanhã? Responda quem puder” (Simone, O Amanhã)
E o que podemos esperar, no futuro?
Nova e devastadora crise empobrecendo todos os assalariados, os pequenos empresários e mesmo modestos rentistas.
Vamos aos números. Vejamos três elementos econômicos: A – o Produto Interno Bruto Mundial (PIB); B – a Dívida Pública Mundial e C – os valores dos derivativos bancários. Todos os dados em US$ bilhões.
ANO (A) PIB (B) DÍVIDA (C) DERIVATIVOS
2003 37,8 23,6 197,2
2005 46,0 26,4 297,7
2007 56,2 30,0 595,3
2009 58,4 37,5 603,9
2011 70,8 46,3 647,8
2013 73,5 51,8 710,2
Esta tabela dispensaria qualquer análise; é evidente por si só.
Mas devemos lembrar que as dez crises, provocadas pela banca desde 1987, tiveram o objetivo claro e nítido, também atingido, de transferir recursos e ganhos de atividades privadas e valores dos orçamentos públicos para a banca.
Veja que o PIB nem dobra nestes 10 anos, a Dívida, qual um monstro a assustar o povo para receber menores salários e nenhuma aposentadoria, pouco mais do que duplicou, mas o enorme risco da insolvência, gerado pelos papéis sem lastro, quase quadruplicou.
Resumo, sobrará papel e faltarão ativos reais.
Observei os preços de algumas commodities energéticas/minerais neste século.
Seu gráfico tinha a forma de uma pirâmide; em 2000/2001 apresentavam o menor valor da curva, atingiam o máximo no entorno da crise de 2008, e caiam logo após, embora mantendo preços superiores aos do início do século.
Estão, na grande maioria – ouro, carvão, petróleo bruto, prata, em momento de alta.
O barril do Brent, por exemplo, sai de US$ 25,64, em janeiro de 2001, vai a US$ 133,87, em julho de 2008, e está em ascendência em outubro de 2017, a US$ 57,62.
Estaria a tecnoestrutura da banca preparando outra crise, mais uma significativa transferência de renda para 2018?
Precisamos aprofundar o conhecimento desta situação, mas já sabendo que a banca age contra todos nós.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
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